quinta-feira, 11 de novembro de 2021

SÓ POR HOJE

Só por hoje

Eu te encontrei

O amanhã não sei

 

Só por hoje

Estou aqui

Amanhã não saberei

 

Só por hoje

É o tempo dessa relação

O amanhã é vazio

 

Só por hoje

O desejo surge

No amanhã se vai

 

Mas o amor...ai, ai

 

O amor foi ontem, é hoje e será amanhã

 

O amor não divide,

Ele une

 

O amor não separa,

É uno

 

O amor não é para um,

Mas para todos

 

O amor está em mim,

Em ti, em nós

 

O amor não teme,

Nem espera

 

O amor não prende,

Mas liberta

 

O amor está aqui e agora

É o que somos,

do que somos feitos

 

Só por hoje...

 

Que o foco seja sempre

o amor!

 

Em 08/06/20

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

O DIFERENTE EM NÓS

Lidar com alguém diferente e que, a princípio, nos causa aversão, não é nada fácil. A primeira reação é agir “corretamente”. Afinal, somos pessoas éticas, politicamente corretas e não admitimos desrespeito ao outro. Apesar de nunca nos termos deparado com um contexto tão pouco familiar, somos pessoas bem informadas e racionais, que sabem minimamente agir diante do desconhecido. Respondemos com delicadeza, somos gentis e solícitos. Em tempos de inclusão, quem quer se mostrar como alguém que não aceita as diferenças?

Depois de um certo tempo de convivência, no entanto, a máscara da “boa pessoa” começa a ceder e passamos a mostrar quem realmente somos. Duas horas com alguém muito diferente de nós bastam para disparar nossa impaciência e a reação, quase instintiva, de fugir da situação. Algo começa a nos incomodar por dentro e, sem perceber, tratamos de inventar motivos para ir embora. Surge uma inquietação que toma a forma de perguntas e “falsas” certezas: “Por que estou aqui, por que tenho que passar por isso? Eu não preciso disso, eu não tenho nada a ver com isso”. 

A grande maioria das pessoas, infelizmente, não ultrapassa esse limite. Aprisionada pelo medo do diferente, foge da experiência e das inúmeras possibilidades que ela pode oferecer. Transpor o limite entre o conhecido e o desconhecido é um grande risco, mas é também uma grande aventura. E a aventura começa quando nos “jogamos de peito aberto”, permitindo-nos viver, de fato, e não apenas fingir. 

É só aprofundando a relação com o outro, diferente de nós, que podemos viver e retirar algo da experiência. Se nada fica, se nada marca, é porque não vivemos, é porque nos fechamos em nós mesmos. É paradoxal, mas à medida em que nos fechamos em nós mesmos, nos fechamos para nós mesmos e à medida que nos abrimos para o outro, nos abrimos para nos conhecer, para nos encontrar conosco.

Parece que a nossa real dificuldade não é a aceitação do diferente no outro, mas a aceitação do diferente em nós. Por isso fugimos, por isso temos tanto medo. Há uma ideia banal, que parece até clichê, mas não é: o que vejo no outro está em mim; o mundo é meu espelho. 

Conviver com uma pessoa diferente e “especial”, seja ela um deficiente físico ou mental, ou até um ser humano dito “normal” pode ser uma experiência maravilhosa quando se está aberto para conhecer o outro e a si mesmo. Essa pessoa, na sua “especialidade”, vai nos mostrar exatamente o que precisamos aprender, pois ela tem a habilidade para isso.

Quando olhamos para uma pessoa com deficiência intelectual, por exemplo, podemos ver o quanto não aceitamos o nosso lado frágil, ingênuo, repetitivo, inquieto, infantil. Também podemos enxergar aquele aspecto de nós que já foi excluído um dia, por nós mesmos ou pelos outros, e que teima em querer aparecer, em querer viver, mesmo que tentemos escondê-lo.

Ao nos relacionarmos profundamente com alguém assim, tão especial, podemos também descobrir o quanto há de belo no outro: o olhar sincero, o abraço inesperado, a intimidade que tanto necessitamos e que ele pode nos dar. E, aos poucos, vamos enxergando um outro lado de nós, ainda mais desconhecido: um eu capaz de amar, de dar, de ser espontâneo, enfim, de aceitar o outro.    

Num dia desses convivi com um ser humano especialíssimo, sobrevivente de uma hidrocefalia de nascimento, que me fez abrir o coração. Na despedida, quando olhamos nos olhos um do outro, percebi, por trás de toda aparente diferença, o quanto somos iguais, o quanto queremos ser aceitos e amados por aquilo que somos, sem restrições. Ninguém quer ser excluído, mas sem perceber excluímos muita coisa em nós antes mesmo de mostrar aos outros.

Esse menino me ensinou a olhar para um lado de mim que não via, um lado frágil e excluído, que luta para ser aceito, olhado pelos outros. Um lado que quer existir, mesmo que o mundo todo diga, embora negue, que ele não tem direito e que deve ficar guardado, escondido, obscurecido.

Percebi que perdemos muito tempo mascarando quem somos. Às vezes, passamos a vida toda mostrando um eu disfarçado, um eu social. Pessoas como o menino que conheci são especiais justamente porque não escondem nada, porque são o que são.

Pensei que, da próxima vez que encontrar alguém como ele, não vou desperdiçar o tempo tentando fugir. Vou me entregar à experiência, vou mostrar minhas fragilidades, vou ser eu mesma. E ser eu mesma não é ser o que sempre fui, não é agir segundo um padrão pré-definido, mas ser uma constante abertura ao outro, porque o outro está em mim.   

Escrito em março de 2006.

LEIA, POR FAVOR...EU TE AMO

Era hora do chá. Todos os dias, a mesma hora, Sara tomava chá com biscoitos antes de ir para aula. Nesse dia, sem saber porque, resolveu checar seus e-mails. Entre eles, havia um, com o título “leia, por favor...eu te amo”, que lhe chamou atenção. 

 

“Te amo demais!

Preciso dizer o quanto amo você!

Às vezes você passa e eu fico te olhando, morro de medo de falar contigo e você me rejeitar.

Espero que você pelo menos se interesse em ler o texto que fiz, nele pelo menos eu digo quem sou. MAS POR FAVOR, NÃO FIQUE COM RAIVA DE MIM!”

 

Ao terminar de ler, sentiu uma pitada de orgulho e ficou curiosa para ler o texto em anexo. Tentou abrir, mas não conseguiu. Enquanto relia a mensagem, Sara indagava-se sobre quem seria que mandara aquela declaração de amor. Não costumava sair, a não ser para ir ao trabalho. Muito menos dava seus dados pessoais para desconhecidos. Talvez seja algum aluno! Esse pensamento passou por sua mente numa velocidade que quase ela não percebeu. Será que poderia admitir isso pra si mesma? Um aluno? Em 25 anos de Magistério nunca havia acontecido algo semelhante. E logo agora que ela já havia passado da idade de namorar?

Mas a ideia de ter um aluno apaixonado começou a fisgá-la. Achou interessante cogitar essa possibilidade e começou a pensar em prováveis candidatos. O primeiro de quem lembrou foi o Walter. Era um rapaz bem tímido, mas que seguidamente vinha conversar com ela pedindo esclarecimentos e orientações. Lembrou que um dia, em uma aula, Walter olhara sorridente para ela. Quando percebeu, ficou encabulada e virou o rosto. Lembrou de outros tantos olhares que passaram despercebidos no momento, mas que agora adquiriam outro significado.

Continuou a procurar na memória algum outro aluno e lembrou de Ulisses. Ulisses já não era tão jovem; talvez já tivesse uns 35. Mesmo assim era bem distante dos seus quase 60. Ela já prestara atenção nele. Geralmente se vestia formalmente, com calças de tergal e sapatos. Lembrou que um dia ele fora à aula de terno e gravata. Sara gostava de homens bem vestidos, num estilo formal. Mas Ulisses não parecia estar interessado nela. Mas e ela, estaria interessada nele? Nunca havia pensando sobre isso, era como se fosse proibido pensar. Lembrou que já havia observado que ele não usava aliança. Nesse instante, derramou o café quente na blusa bege, que combinava com a calça num tom marrom claro e teve raiva de si mesma por estar pensando em tantas bobagens. Sim, bobagens, coisas de adolescente, não de uma mulher da terceira idade como ela! Trocou a blusa, ajeitou o cabelo no espelho, pegou suas coisas e saiu para aula.

Naquele dia, ela se sentiu diferente. Olhou para os alunos não só como professora, mas como mulher. Durante o intervalo, lembrou de retocar o batom e arrumar o cabelo. Olhou-se no espelho e notou que estava com uma expressão mais alegre. Fazia tempo que não se sentia assim em sala de aula, tão leve, tão solta, tão espontânea. Geralmente tinha uma expressão carrancuda e séria, que mantinha os alunos à distância. Nesse dia, alguns alunos se aproximaram e uma moça lhe fez um elogio, dizendo que a aula tinha sido muito boa. 

Sara voltou para casa cheia de expectativas. Quem sabe sua vida estava lhe abrindo uma porta? Quem sabe não poderia viver o amor que tanto sonhara, mas que já havia desistido? Mais uma vez lembrou da mensagem e de Ulisses. Talvez ele fosse mesmo muito tímido para se aproximar dela ou dar a entender algo e por isso havia enviado aquela mensagem. Decidiu que faria algo para tirar a dúvida. Sim, ela precisava fazer algo. Já não podia mais deixar o tempo passar, não podia mais desistir de viver. 

No dia seguinte, acordou cedo, tomou um banho demorado e escolheu, com cuidado, o que vestir. Maquiou-se, colocou brincos e salto alto. No final, olhou-se no espelho e viu uma outra Sara, muito mais jovem e alegre.

Quando chegou à Universidade, algumas colegas conversavam e Sara se aproximou para cumprimentá-las. Todas olharam-na com espanto, sem acreditar no que viam. “O que aconteceu, Sara?” Sara não respondeu, só expressou um sorriso tímido. Enquanto checava sua gaveta, ouviu quando uma das colegas contou a outra que havia recebido uma mensagem anônima que dizia “leia, por favor...eu te amo”. Logo percebeu que o e-mail era uma brincadeira, ou até uma mensagem contendo vírus, como a colega cogitara. Saiu da sala completamente desiludida, sentindo-se uma palhaça vestida daquele jeito. Teve vontade de ir pra casa e dar uma desculpa qualquer para os alunos, mas não teve coragem. Sua ética era muito mais forte do que seu desejo de sair correndo dali.

Sara entrou na sala de aula e todos olharam-na estupefatos, inclusive Ulisses. Até então, ele nunca havia notado a mulher por trás da professora. Nesse dia, não foi possível deixar de perceber. A professora Sara estava realmente bonita, elegante e sedutora.     


Escrito em agosto de 2007. 

ENTREGA

 Não havia mais pudor, nem medo.

Eles podiam sentir a textura da pele, o cheiro, o calor, o contorno do corpo um do outro. No peito de ambos, o coração batia acelerado, querendo dizer algo.

Foram anos aguardando este momento e, finalmente, eles estavam ali, juntos, nus e despidos de preconceitos.

Nenhuma palavra foi dita. Os corpos falavam por si. Corpos humanos, vivos, sensíveis.

Cessaram as vozes alienígenas, cessaram as vozes de culpa e vergonha. Cessaram também a dor e a angústia de viver uma mentira.

Era possível sentir alegria e prazer. Um prazer voraz, intenso, carnal... pura entrega.


Escrito em novembro de 2008.

domingo, 17 de outubro de 2021

POR QUE ESCREVO

 Vivo e escrevo. Choro e escrevo. Sinto e escrevo. Sou feliz e escrevo. Escrever é meu sossego, é meu alívio, é minha pílula calmante. Através da escrita eu penso, eu sinto, eu me conheço, eu me desnudo, eu me EXPRESSO. Escrever já faz parte de mim, do que sou, do que quero ser. 

Eu tenho a ânsia de me expressar e, ao fazer isso, eu me compreendo e, assim, aquieto minha mente. Minha mente agitada precisa “criar”, dar forma ao conteúdo caótico que se passa dentro de mim. Quando escrevo, organizo, seleciono, crio.  

Mas escrevo também para ser lida, para afetar, para mostrar possibilidades... Os leitores encontrarão nos meus textos outras Carlizas, personagens de mim mesma, desconhecidas para a maioria deles. Gosto de me expor. Ao me expor eu toco, eu mexo, eu provoco...

Olhando para minha escrita, a vejo como uma escrita do interior. Eu foco aquilo que se passa dentro de mim, à medida que experiencio a vida. Este estilo de escrita revela meu modo de ser introspectivo, um estilo muito pessoal, em que me isolo do mundo para me observar e refletir. Observar o que se passa na mente, o que penso, o que sinto, por que me angustio, por que me alegro, por que estou triste ou feliz. Estar comigo mesma em profundidade é tão necessário para mim quanto respirar, comer, dormir.

Gosto de pensar a escrita como uma tentativa de mostrar a beleza de cada situação, seja ela trágica ou engraçada. Ao escrever, emolduro a minha realidade, faço arte da minha vida e ela se torna mais bela e mais prazerosa de ser vivida.

Através da escrita eu crio e recrio a minha realidade. Os textos não traduzem uma verdade permanente, mas o que senti no momento em que escrevi. Minha escrita flui junto com a emoção e com a reflexão dos acontecimentos. Vejo meus textos como possibilidades de mim mesma, não que eu as esteja concretizando, mas são alternativas sempre disponíveis. Este é o significado dos textos para mim: são como portas que se abriram um dia e que permanecem abertas. São possibilidades sempre disponíveis que me trazem a liberdade a que tanto aspiro.  

Mas nem sempre minha escrita traz consigo essa promessa de liberdade. Nem sempre ela flui livremente. Aprisiono-me, quando, na ânsia de encontrar uma forma mais bonita e perfeita de me expressar, deixo de escrever porque não a encontro. Aprisiono-me, quando, na ânsia de ler mais e mais para ter conteúdo para meus textos, perco aquilo que quero dizer e fico refém do dizer dos outros.

Meu desafio tem sido encontrar aquilo que eu quero dizer, o que é mais profundo em mim, por mais que saiba que não há um eu puro e que o texto, expressão desse eu, é sempre resultado de várias vozes. Busco dentro de mim algo que não encontro fora.

Às vezes busco modelos, como se houvesse uma voz interna que diz que o que escrevo não é o que “deveria escrever”, que não é o “melhor”, que não é “literatura”, que não é “isso ou aquilo”. Quando dou ouvido a essas vozes, que me impõe um ideal de escrita, me sinto completamente incapaz e não escrevo.

Quando me vejo assim, tento aceitar minhas limitações, aceitar que posso não ser tão absolutamente original quanto gostaria e continuo escrevendo. Procuro pensar que os modelos são apenas modelos, que não podem e nem devem servir para todos, e que eu sou única na minha singularidade.

Por fim, escrevo por rebeldia, para dizer não aquilo que me aprisiona, para enfrentar meus medos, para criar linhas de fuga. A escrita, para mim, é um grito de liberdade.

 

Texto escrito em 2006, quando iniciei as oficinas de escrita no Curso de Pedagogia da UCS.

PRESENÇA

Pego a chaleira

Encaixo-a na torneira

Abro a torneira

A água escorre

Enche

Sinto o peso da água...

 

Acendo o fogo

Vejo o fogo

Ouço a chaleira chiar

Sinto o calor do fogo no corpo, nas mãos

Espero

Respiro

Vejo a chaleira

Sinto-a viva...

 

Ela começa a assoviar

Ouço por instantes o assovio

É como se falasse

Vejo o vapor subindo

Toco o vapor com as mãos

Sinto a água...

 

Desligo o fogo

A chaleira silencia

Eu silencio...

 

Escolho a xícara

Vejo a cor, os detalhes do desenho

Sinto seu peso

Acomodo-a no balcão

Relaxo...

 

Me desloco, sentindo meus pés no chão

Abro a caixa de chá

Retiro o saquinho

Sinto seu cheiro, sua textura

Deito-o na xícara

Despejo a água quente, fervida

Vejo o saquinho sorvendo a água

E a água se preenchendo da sua substância

Cubro o chá com um pratinho colorido

Há pássaros e flores

O chá descansa

Minha mente descansa...

 

Levo a xícara para a mesa e sento

Retiro o pratinho de flores e passarinhos

Bebo o chá

Aprecio

Celebro

Me alegro

Me sinto viva!

 

Texto escrito a partir da “prática de meditação do chá” proposta por Arawana Hayashi durante a palestra “Dharma Arte: um caminho para conectar, curar e criar um bom futuro”, no dia 18/09/21.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

APRENDENDO A RESPIRAR

 

           Hoje fui fazer uma radiografia dos pulmões, porque estou com falta de ar já há algum tempo. Já pesquisei sobre o significado emocional desse sintoma físico e o que fica para mim é a dificuldade de me relacionar com a vida. Inspirar e expirar. O ar me conecta com o mundo, com todos os seres e eu tenho dificuldade de fazer isto. Medo de viver? Do que tenho medo? Medo de sentir a dor do mundo.

Desde pequena, sempre fui uma criança sensível e pareço ver coisas que os outros não veem, ou talvez, sentir coisas que os outros não sentem. Com o tempo, descobri que isso é uma qualidade dos piscianos. A “pequena pisciana”, uma vez eu li num texto de astrologia, e isso me soou como se eu fosse uma “criatura frágil”, parecida com aqueles seres estranhos dos contos de fada, com orelhas grandes, olhos profundos e corpos magros. Sendo assim, nunca pude expressar o que via, o que sentia, porque os adultos nem sempre dão bola para as crianças.

Mas meu mundo interior sempre foi muito vasto e eu sentia necessidade de compartilhar isso, de entender, de expressar, elaborar. Com o tempo, percebi que o mundo interior não era algo muito valorizado na sociedade, não era falado, abordado, ensinado. E, aos poucos, fui entendendo que não podia falar sobre isso. E fui silenciando em mim essas vozes internas, meu mundo rico e fantástico, cheio de tanta beleza. Aprendi desde muito cedo a dizer e fazer as coisas certas para ser aceita, para poder existir.

Quando escrevi isto agora, eu chorei, como se estes “seres” que habitam esse espaço interno (ou externo também), pudessem finalmente respirar. Não havia ar para eles lá dentro, pois estavam trancafiados. Hoje eu abri esta porta, essa passagem de ar, o canal de ligação, a conexão com esse mundo. Eu me vejo de novo, eu me sinto! E choro muito. Choro muito por me encontrar depois de tantos anos afastada de mim mesma.

Esta noite sonhei com uma dança, um espetáculo. Eu e uma criança pequena, delicada, bela, dançávamos juntas, completamente “encaixadas”, integradas uma a outra. Era como se deslizássemos em um piso acetinado e formássemos uma bela dança, em perfeita harmonia de movimentos. Quando terminamos a dança, eu a levantei no colo e a coloquei em uma bancada e ela quis falar. Mas os adultos não quiseram ouvi-la.

Esse sonho é muito revelador deste momento da minha vida, mas também do que já foi. A dança de integração com partes de mim do passado, hoje, e o silêncio ao qual me submeti até agora.

O ar faz a conexão entre mundo interno e externo e eu estou aprendendo a respirar. A médica perguntou há quanto tempo eu sentia falta de ar e eu me dei conta de que desde a minha infância. Sim, desde a minha infância eu não respiro bem, mas só agora tomo consciência disso. Hoje tenho 48 anos. Quando penso nisso, sinto uma tristeza profunda, uma compaixão por mim mesma por ter chegado a este momento só aos 48 anos. De outro lado, eu me contento, porque penso: que bom que eu pude ver isso enquanto ainda havia tempo de mudar. Não há mais tempo a perder. Eu quero viver, mais que nunca!!!

Não vou me entupir de remédios, como a médica quis que eu fizesse. Os remédios simplesmente tratam o sintoma, não a causa. Eles camuflam, escondem, entorpecem as realidades profundas que precisamos acessar. A doença, como diz um livro que amo, é um caminho, um caminho de autoconhecimento. A doença é uma mensagem, um presente do corpo para a cura da alma. A doença faz parte da linguagem da alma.

Então, quero olhar para isto, quero sentir a falta de ar e tomar consciência dela cada vez mais. Quero olhar para esta criança do meu sonho, para as crianças da minha sala de aula que anseiam por se expressar. Quero sentir a dor do mundo, a dor dos seres que não podem falar, que não são ouvidos, que não são aceitos. Quero olhar para aqueles que pensam não existir porque ninguém lhes enxerga. Quero ver aquilo que não vi durante muito tempo. Quero me enxergar.

 

Escrito em 28/10/16

VIAGEM PARA DENTRO

 

A vida nos presenteia, a cada instante, com tudo que precisamos para crescer. A questão é saber se realmente queremos crescer. E o que é crescer? Crescer para mim, hoje, é me aceitar. Aceitar aquilo que penso que sou, aceitar aquilo que os outros pensam de mim, aceitar aquilo que ainda não sei sobre mim mesma. Aceitar-me implica não mais esperar pela aceitação dos outros e não depender mais disso para ser feliz.

Me vejo olhando para memórias que estavam muito bem guardadas, trancafiadas até, para lugares dentro de mim onde nunca entrei. A cada dia renovo a coragem, o amor e a compaixão necessários para fazer uma viagem como essa.

Há tempos, quando fui para o Nepal, tive a oportunidade de pegar um bimotor e ver o Monte Evereste bem de pertinho. Eu sempre tive vontade de ir a lugares longínquos, distantes de tudo e de todos, pois imaginava que num desses lugares iria encontrar todas as respostas que procurava. Mas quando cheguei lá, quando estava de cara com aquelas montanhas suntuosas, com toda aquela grandeza e beleza, percebi que aquilo tudo era vazio, ou seja, que o que eu buscava não estava ali. Nada aconteceu dentro de mim, nenhuma mudança, nenhuma mágica ou algo especial.

Esses dias, lendo um livro budista, da Pema Chödron, me dei conta, pela primeira vez, depois de tantos anos lendo e relendo livros como esse que o Caminho do Meio, do qual Buda falava, era o caminho sem direção, o caminho da não-ação, sem movimento, sem ambições. O caminho de parar e olhar para si mesmo.

Na minha vida toda eu fiz planos, e todo ano fazia metas e consegui atingir muitas delas. Minhas metas me davam direção e, assim, eu estava sempre em movimento. Esse é o pensamento comum, de que precisamos ter sonhos, ter metas, saber aonde queremos ir para poder caminhar. E, mais que tudo, precisamos caminhar, nos movimentar na vida.

Mas há tempos vinha sentindo a necessidade de parar esse movimento e de, finalmente, me aquietar. Um acontecimento especial trouxe a oportunidade e decidi que tinha chegado a hora de fazer a roda (da vida) parar de girar.

A grande viagem da minha vida está sendo a viagem para dentro de mim mesma, sem planos, sem projeções para o futuro, um movimento sem movimento. E nessa viagem, aceitação tem sido palavra-chave, algo recorrente nas reflexões do dia a dia.

Essa experiência foi muito sofrida no início, mas agora está começando a ser prazerosa, pois estou gostando de estar só, comigo mesma. Parece estranho afirmar algo assim, mas não é. Explico. Eu sempre busquei companhia, nunca gostei de ficar sozinha. Eu podia ficar sozinha a manhã inteira fazendo minhas tarefas, até dias sozinha, mas eu precisava saber que eu tinha alguém, que alguém preenchia a minha vida, a minha mente. Então, minha mente estava sempre em movimento, na direção de alguém, na espera, na expectativa. Mesmo quando não tinha ninguém, estava à procura. A mente estava ocupada com a busca. A mente estava sempre direcionada para fora, nunca para dentro.

Viajar para dentro de mim mesma tem sido uma experiência incrível. Como é bom me olhar no espelho e ver minha própria imagem. Como é bom me tocar e sentir minha própria pele. Como é bom, enfim, estar comigo mesma. A descoberta mais incrível, recente, atual mesmo, é que estou gostando de mim. Isto não é nada óbvio, embora devesse ser. É um aprendizado: diário, constante, às vezes difícil.

Tanto já foi dito que devemos primeiro amar a nós mesmos para poder amar o próximo, mas isto realmente não é algo que experienciamos. O mais comum é não conseguirmos amar verdadeiramente os outros porque simplesmente não nos amamos e porque, nem sequer, nos conhecemos ou re-conhecemos.

Viajar para dentro é re-conhecer que sou bonita muitas vezes, mas muito feia em outras tantas. Que sou amável, mas às vezes odeio certas coisas e pessoas e sinto raiva. Que eu sou competente em muitas tarefas, mas também erro, cometo falhas, sou imperfeita. Que tenho amigos, pessoas que gostam de estar comigo, mas que há pessoas que preferem me ignorar ou que não querem me ter por perto. Que sou uma boa professora em parte do tempo, mas terrível em outra parte. Que sou boa, mas não sou a melhor. E por que teria que ser? 

Nesta viagem descobri que o caminho da aceitação é o caminho da não-dualidade, da não-exclusão, da integração de tudo que está dentro de mim. Que eu não preciso rejeitar certas partes, deixando-as na sombra, na escuridão e sofrendo, infinitamente, por rejeitá-las. Que eu não preciso ser a menina boazinha e certinha todo o tempo para poder existir neste mundo. Que eu, finalmente, posso ser quem eu sou...

Escrito em 05/10/2016

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

TEMPO E TRABALHO

 As coisas mais importantes da vida levam tempo. Tempo é palavra-chave.

Eu preciso de tempo. O tempo é precioso para mim. Há alguns anos decidi trabalhar fora só um turno. Isso vai contra a tendência usual. Eu tenho tempo, porque me dou este tempo. Eu me dei, me presenteei com um tempo para mim. Um tempo para fazer as coisas que são essenciais na minha vida: pensar sobre mim, meditar, fazer minha própria comida, levantar de manhã e tomar café sem pressa, fazer meus exercícios físicos, gerar uma intenção positiva para o dia.  

Mas não foi sempre assim. Foi um caminho árduo e trabalhoso. Tenho descoberto que pensar em mim mesma, ficar comigo, enfrentar a solidão e o vazio da vida é também trabalho, trabalho pesado. Tudo depende da perspectiva com que se olha. E sempre há muitas, infinitas perspectivas.

Outro dia me peguei dizendo para minha terapeuta que eu não trabalhava de manhã. E ela me indagou: “Trabalhas em casa, certo?” “Sim, claro, trabalho em casa.” Dar-se tempo para pensar na existência também é trabalho. Quando me dou tempo, me conheço, reflito sobre minhas ações, tento buscar outras alternativas, tento compreender o sentido de tudo que estou vivendo. E, assim, também me torno um ser humano melhor para os outros, para a sociedade. 

Chegar a esse ponto de aceitar ficar em casa à toa, sem uma agenda prévia, sem ter que fazer isso ou aquilo foi uma luta. Sempre fui uma pessoa que cronometrou o tempo. Minhas alunas da universidade ficavam impressionadas porque eu, ao iniciar a aula, entregava o roteiro da aula com o tempo pré-determinado de cada atividade. Até hoje ainda faço isso com meus alunos pequenos. Apesar de já ter me dado conta disso inúmeras vezes, ainda me pego repetindo o mesmo padrão.

Tive que abrir mão, aos poucos, daquilo que pensava ser uma necessidade, mas não era. Correr todo tempo não é necessário. Estar em atividade incessante também não, apesar do mundo inteiro dizer o contrário. “Por que tenho que ter pressa?” Essa pergunta de um amigo ficou martelando na minha mente. Por que temos que ter pressa???  

Apesar da corrida contra o tempo ser uma característica da sociedade em que vivemos, cada ser percebe e age diferente. Cada um tem esse direito, mas nem sempre tem esse poder!

A corrida contra o tempo foi inscrita em mim na minha infância. Meu pai sempre foi obcecado com a rapidez. Na estrada ele não podia ficar pra trás, sempre tinha que ultrapassar todos os carros. Essa era também a velocidade impressa no dia a dia. O tempo das crianças nunca foi considerado. Lembro da tensão que era cada vez que tínhamos que sair de casa. Ele não suportava esperar a família se organizar ou parar na estrada para fazermos xixi. Até hoje ele não gosta dos feriados, porque diz que a produção para. Tempo é dinheiro!!!

“Sim, tempo é dinheiro, pai, mas não é só o dinheiro que movimenta a economia. As paixões, o desejo também movimentam a economia. Se não fosse assim, ninguém venderia nada. E a vida também não é só economia ou o desejo de consumir, não é só paixão instintiva. É desejo de liberdade, de amor, de carinho, de fazer o bem, etc, etc, etc.”   

Correr pode até ser necessário em alguns momentos da vida. Não discordo disso. Mas nem sempre, nem todos os dias, nem todos os meses e, muito menos, a vida toda. Parar, sim, é necessário. Parar o movimento para olhar para si mesmo é absolutamente necessário. Pensar sobre o sentido da vida, pensar porque nos sentimos vazios, é fundamental. Assim como não se respira direito correndo, também não se vive direito correndo.

E eu quero viver, viver intensamente esta vida que me é de direito!!!

Escrito em 12/05/17

SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER NO MUNDO!


“A menos que nos tornemos a mudança que desejamos ver acontecer no mundo, nenhuma mudança jamais acontecerá.” (Arun Gandhi)

Há alguns dias atrás participei de uma roda de conversa sobre educação e consciência, com Juliana Corullón, educadora e terapeuta ocupacional, e a pergunta de todos que estavam lá era como mudar a situação caótica em que nos encontramos nas escolas, no sistema educacional, na sociedade, na política, no mundo.

Vivemos num mundo superficial, massificado, excludente, violento... etc., etc. Ninguém está satisfeito. Todos lá estavam desanimados de alguma maneira, infelizes e sofrendo pelas situações de vida em que estão passando: pais vendo seus filhos serem excluídos e “violentados” nas escolas e professores, como eu, não sabendo lidar com alunos agitados, com baixa capacidade de concentração, indisciplinados, que não sabem ouvir, que não aceitam nossas propostas educativas, egocêntricos, etc., etc. Todos queriam alguma luz, alguma referência para pensar de outra maneira as situações que estão vivendo e encontrar soluções.

Juliana, na sua humildade e paciência, foi nos conduzindo, passo a passo, a uma reflexão que, em síntese, dizia: a mudança começa pela nossa consciência. A mudança começa por cada um de nós, por estarmos conscientes do que estamos fazendo, falando, pensando, sendo.

Segundo Juliana, provavelmente tomando como base o Budismo, tradição espiritual da qual participou como co-fundadora e ex-diretora da Escola Caminho do Meio, em Viamão/RS, os outros são nossos espelhos, ou seja, temos que voltar o olhar para nós. O que vemos no outro está falando de nós e não apenas dele.   

O mundo é nosso espelho, diz o Budismo, é projeção de nossa mente. Noção tão básica, presente de alguma maneira na Psicologia, nos livros de autoajuda e em tantos outros referenciais, mas tão difícil de aplicar. É tão fácil colocar a responsabilidade nos outros, tão cômodo pensar que existe algo que o outro pode fazer para me libertar. E por que ele não faz? Por que as pessoas e o mundo são tão insensíveis, me pergunto e penso que todos, de alguma forma, se perguntavam naquela noite.  

Mas se achamos que é tão fácil para os outros mudarem, por que não começamos conosco? Não é lógico? Ah, mas talvez nós não precisemos mudar, porque já estamos fazendo a nossa parte. Quem tem que fazer a sua parte é o outro. Hum, isso mostra uma falha nossa, que Juliana tão bem soube sinalizar. Falta-nos consciência, consciência de nós mesmos.

O primeiro passo, então, é estar consciente. E estar consciente é estar presente, atento, vigilante às nossas ações, palavras, pensamentos. Como posso querer que o outro me escute e atenda minhas necessidades se eu mesma sequer estou consciente de minhas próprias necessidades? Ou, mesmo que saiba, não me dou conta de que não sou capaz de me abrir para escutar o outro nas suas necessidades? Não me dou conta de que, ao invés de ouvir e escutar, de fato, julgo o outro segundo meu próprio ponto de vista?

E como estar consciente? Juliana começa indicando a prática da meditação diária. Cinco minutos por dia. E se não podemos fazer cinco minutos, dividimos esse tempo durante o dia. A meditação vai nos dar condições de poder responder às situações de forma não-reativa, não-impulsiva.

A meditação, como nos ensina o Budismo, tradição que também estudo e tento a muito custo praticar há alguns anos, vai acalmar a mente, vai nos ajudar a estarmos mais presentes no que estamos fazendo, a notar o que se passa na mente. O que pensamos, o que falamos, o que fazemos? Inspirar e expirar, simplesmente, observando esse movimento, nos ajuda a criar espaço na mente, a não deixar que nossa mente fique entulhada com tantas ocupações e pensamentos que se seguem um ao outro, num fluxo interminável, deixando-nos perdidos e confusos. A meditação vai nos ajudar a clarear a mente, a tirar os véus que obscurecem a nossa percepção da realidade. O que é a realidade? O que é meu, o que é do outro? A meditação traz iluminação, ou seja, coloca luz naquilo que estava escuro, que não era visto e percebido. A meditação traz consciência. 

E Juliana segue nos orientando em outra prática, a de olharmos uns nos olhos dos outros por um minuto. E quando olho para o outro, nos seus olhos, com abertura, vejo que o outro é alguém como eu. O outro é humano, falível como eu. Mas tem qualidades, assim como eu. Está buscando a felicidade e não quer sofrer e eu também. O outro é meu pai, minha mãe, meu filho, meu irmão, meu colega de trabalho, meu chefe, meu companheiro: o outro é aquele que permite que eu seja eu. O que sou sem o outro que me enxerga, que se relaciona comigo? Quem sou eu sozinha no mundo? E se não sou sem o outro, eu sou o outro e ele sou eu. Não há tanta separação entre ele e eu quanto eu penso. Há muito mais igualdades que diferenças. Há muito mais proximidade que distanciamento.

Quando olho nos olhos do outro, eu me encontro comigo. Assim, eu aceito o outro e também a mim mesma. Eu deixo todas as armas de lado, todas as culpas, todos as críticas, todos os julgamentos. Eu quero que ele seja feliz, assim como eu, e que não sofra, assim como não quero sofrer.

Quando dois seres se olham uns nos olhos dos outros diariamente, é possível criar uma cultura de paz. É possível encontrar novas formas de comunicação mais eficazes e menos julgadoras, condenadoras e seletivas.

Este encontro com Juliana, para mim, foi muito especial. E suas palavras, sua presença, sua sabedoria expressa ali naquele momento, foram um presente. Eu encontrei uma pista para sair do desânimo em que estava e para me encontrar comigo.

Eu tomei consciência, não imediatamente, mas depois de alguns dias de muita leitura, reflexão e meditação, que estava responsabilizando todos, menos eu, pelo meu desconforto e mal-estar. Não adianta eu trocar de turma ou sair da escola, ou trocar de parceiro, ou buscar outros amigos. O que é meu vai comigo para onde eu for, com quem eu estiver. 

Por fim, uma luz surgiu na minha mente: eu sou a mudança que quero no mundo. E se a mudança sou eu, se depende de mim, há muito trabalho pela frente. “Keep going”, diria meu mestre Chagdud Tulku Rinpoche. Não posso desperdiçar o tempo com tanta queixa e desânimo. Eu preciso força, coragem e determinação para mudar a mim mesma e, assim, poder pacificar o mundo onde me encontro. A vida humana é curta e preciosa! E eu preciso começar agora mesmo! 

Escrito em 17/07/17

VELOCIDADE E FÚRIA

Grande parte da minha vida tentei ser quem não era. Nunca aceitei as limitações da minha existência e sempre quis ir além. Essa característica de querer transcender os limites pode ser uma qualidade ou um grande defeito, dependendo da intensidade. Não ficar preso às limitações da vida e da própria subjetividade e querer melhorar e se esforçar para isso é positivo, é algo que impulsiona o ser humano. Mas pensar que não há nenhum limite e que tudo pode ser ultrapassado pode virar uma arrogância, um sentimento de superioridade, de estar acima de tudo e de todos. O equilíbrio necessário da balança não é algo fácil de conquistar.

Vivo, desde muito pequena, um conflito entre o que sou, minha subjetividade real e o que gostaria de ser, de me tornar. E parece que a balança sempre pendeu para o ideal. Eu muito cedo quis ser adulta e não vivi minha infância, muito menos a adolescência. Eu quis tanto ser o ideal de mim mesma que me perdi de quem eu era, do ser humano falível que sou.

Quando pensei que sabia muito, que tinha atingido um patamar elevado, percebi que na verdade não sabia nada de nada e menos ainda de mim mesma. Dizem que quanto mais alto estamos, mais forte é a queda.   

Estou vivenciando esta queda. Mas consigo ver algo de belo nisso, mesmo na dor: a beleza da mudança, que sempre me fascinou. Eu sempre admirei pessoas capazes de se transformarem.

E eu quis mudar, mudar muito e num ritmo tão acelerado que me tornei violenta comigo mesma, quase uma suicida.

A mudança não pode ser imposta; ela acontece. Podemos e devemos nos esforçar, criar metas, aspirar, mas não se pode mudar o que não está pronto, o que não amadureceu. Não se pode fazer crescer uma árvore quando não existem todas as causas e condições adequadas para que o crescimento aconteça. Hoje, com a tecnologia, podemos, aparentemente, fazer “milagres”, mas ainda não sabemos as consequências desses novos frutos nascidos de uma ciência que se considera livre de qualquer restrição.

Para mudar, é necessário tempo, o tempo da espera, da paciência, bem como do esforço. A mudança é um processo, uma construção, não um milagre. É necessário caminhar sempre, sabendo o objetivo, mas sem pressa. Não podemos saltar quando recém aprendemos a engatinhar e muito menos voar. O foco tem que ser o processo, não o resultado. Quantas e quantas vezes eu ouvi e li sobre isso na minha vida! Mas nunca aprendi de fato. Eu sempre quis o resultado. Sempre quis estar no final da linha. Sempre no ponto de chegada.

Eu quis trilhar um caminho veloz, muito veloz. Velocidade e fúria parecem ser uma combinação perfeita. “Velozes e furiosos” é o título de um filme que há anos faz sucesso nos cinemas e que já está na sua oitava versão. Filme para crianças e adultos que querem acreditar que podem fazer qualquer peripécia com seus carros velozes sem se machucar, e ainda sair vivos no final.

Na gana de conquistar, de querer dirigir um veículo mais veloz do que era capaz de manobrar (como o ator do filme que acabou morrendo, de verdade), eu topei contra um muro. Há muros que não são tão fáceis de ultrapassar. E é preciso humildade para reconhecer esses limites e saber a hora certa de tentar avançar. Há muitas histórias de alpinistas que perderam a vida por quererem chegar ao topo da montanha a qualquer custo. Há exemplos de sobra, na história, da ganância e suposta supremacia de alguns povos e das tragédias que causaram para a humanidade, para nos ensinar sobre isso.

O que eu pensava ser minha maior qualidade, se tornou meu maior defeito porque eu não soube colocar a pressão certa na hora de acionar o botão. 

Agora só me resta recomeçar. Juntar os pedaços que sobraram dessa queda e tentar me reconstruir. Sem nenhuma pressa, sem nenhuma violência, sem nada de fúria. Só amor e compaixão para comigo. Aceitação, carinho, acolhimento, PACIÊNCIA E HUMILDADE.

Essa noite sonhei que pegava um bebê em meus braços. Eu sorria para ele e fazia cosquinhas na sua barriga. E ele ria, ria um riso encantador, um riso de uma criança feliz. Acordei me sentindo bem. E pensei que ainda há um caminho longo para ele se tornar adulto. E que quero curtir essa fase infantil enquanto ainda posso tê-lo nos meus braços!!!

Escrito em 02/06/17

domingo, 12 de setembro de 2021

PERFEITA ALEGRIA

 Quando falava com um amigo valoroso sobre como certas pessoas testam nossos limites e conseguem nos deixar sem chão, ele, sem pensar muito disse, sabiamente: “Se alguém te coloca nos teus limites e te deixa sem chão é porque, talvez, tua casa não tenha bons alicerces”. Fiquei pensando sobre o quanto isso faz sentido pra mim.

Há alguns anos venho tentando limpar minha casa, a externa, mas também a interior. Já sonhei muitas vezes que estava no meio de muito lixo, que via muito entulho dentro de casa. Ao mesmo tempo eu sentia um mal-estar quando olhava para minha casa e via ela cheia de coisas, cheia de livros na estante que nunca li, cheia de objetos sem uso, cheia de roupas, guardadas nos armários, que eu imaginava um dia usar. Eu sentia uma necessidade de ter “espaço”, uma necessidade de amplidão. 

E só agora, depois de tirar todo excesso, todo lixo, de ver a casa espaçosa, é que, finalmente, veio a oportunidade de colocar coisas novas. Esta ocasião surgiu com a expectativa da visita de uma pessoa muito importante e nobre. Foi assim que eu me senti motivada a completar o trabalho que havia iniciado com a limpeza e o descarte, mas que agora tinha que ser concluído com a renovação de alguns objetos.

O mais incrível é que tudo fluiu naturalmente. No meu aniversário eu ganhei um sofá novo de uma amiga generosa, minha mãe, mais generosa ainda, me deu uma colcha e um tapete, além de reformar todas as cortinas da casa. Quando liguei para o telefone do estofador, ele prontamente disse que viria até minha casa na mesma manhã para fazer um orçamento sem compromisso. Ele veio e já levou as almofadas das minhas cadeiras velhas da cozinha e prometeu trazê-las novas no dia seguinte. Que alegria! É tão bom sentir essa maré de coisas boas, quando tudo dá certo e tudo de bom acontece de modo natural. 

É muito interessante perceber como a realidade externa e interna não estão separadas e o quanto ambas se influenciam mutuamente. Organizar minha casa, descartar, limpar foi um processo que ocorreu também internamente. Foram anos fazendo diferentes formas de terapia, retiros, escrevendo pilhas de diários para tentar entender a causa de tanto sofrimento.  Foi um trabalho exaustivo de tentar me libertar dos apegos ao passado, dos dramas da infância, da carência imobilizadora, do medo do abandono e da rejeição, do perfeccionismo.  

Claro que o trabalho nunca está terminado. O tempo passa e como tudo envelhece e chega no limite de validade, é preciso novamente pintar, trocar as cortinas velhas, o piso que trinca, adquirir coisas novas.  Renovar a casa e a vida é não só um trabalho sempre bem-vindo, mas necessário. Mas existem coisas que não envelhecem e a beleza da casa não está tanto nos objetos, mas na harmonia do ambiente e na organização. 

Marie Kondo, mestre da organização de casas e autora do livro “A mágica da arrumação” diz que uma vez entendidos os princípios básicos da organização, a casa jamais voltará a ficar bagunçada. Ou seja, uma vez que não guardamos mais coisas que não tem uso, que não adquirimos coisas que não vamos precisar ou que colocamos cada coisa no seu lugar, entre alguns dos princípios mais importantes, a casa se manterá organizada. E isto serve para a vida.

Quando olho para minha casa hoje, vejo o lindo trabalho que fiz. É uma casa simples, não tem nada de caro, nem extravagante, não tem nenhum móvel sob medida. Mas é uma casa limpa, clara, espaçosa, com harmonia de cores, de detalhes, com peças que identificam o morador. É a minha casa, que eu fiz, do jeito que eu pude, que eu quis, com meu próprio esforço.    

Quando olho para dentro de mim hoje, vejo a beleza que não era capaz de ver. Era tanto lixo que eu acumulava internamente, tantas ideias errôneas sobre a vida, sobre as pessoas, sobre mim mesma que eu não conseguia ser feliz. E eu culpava os outros, pensava que eram os outros que me faziam sofrer.   

Mas eu quis muito me libertar de tudo isso, quis muito parar de culpar os outros e tentar olhar pra dentro de mim, para minha própria casa. E não fiz isso sozinha, é claro, precisei de muita ajuda e busquei ajuda de diferentes maneiras. Mas o principal esforço foi meu. O principal motor foi o desejo de me libertar do sofrimento, o desejo de ser feliz e o desejo de não causar mal aos outros.

Hoje posso dizer que minha casa tem alicerces. E ter alicerces não significa que as coisas vão ser perfeitas na minha vida, que não vou errar mais, que não vou ter obstáculos, mas significa saber que não importa o que aconteça externamente, existe algo dentro de mim que não pode ser destruído, não pode ser bagunçado. Essa confiança, essa paz interior é algo que advém, como disse um dos meus professores espirituais, da certeza de que eu fiz o melhor que pude, o melhor de mim mesma.

Meu amigo valoroso, depois de falar sobre os alicerces da casa, contou a história de São Francisco de Assis sobre a perfeita alegria. Eu li a história e o que ficou para mim, numa livre interpretação no contexto da conversa que estávamos tendo é que a perfeita alegria é sermos capazes de estarmos em paz diante das adversidades da vida, porque sabemos quem somos e porque nos sentimos confortáveis com nossa casa, com nosso lar, com aquilo que construímos para nós.

Minha filha, que admiro muito e com quem sempre aprendo algo novo, me disse recentemente que seu lema atual é “isto não é um problema”. O que quer dizer que diante de tantos graves problemas no mundo de hoje, esses pequenos problemas pessoais são ínfimos e não deveriam nos tirar o sono, nem nos inquietar tanto a ponto de sofrermos demasiadamente por eles. Temos que ter dignidade e força para enfrentar os obstáculos com a cabeça erguida, sabendo que eles nos atravessarão, mas não levaram aquilo que dentro de nós é indestrutível. Se mantivermos nossos alicerces firmes, talvez poderemos ser capazes de trazer felicidade não apenas a nós mesmos, mas também a todos os seres.

Texto escrito em 23/10/2017. 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

Depois de nove anos de um relacionamento feliz, me vejo sozinha. Sozinha por opção, pois fui eu quem quis a separação. Ainda me pergunto o porquê da separação e cada vez encontro razões diferentes. Penso que a maior razão é que eu queria/quero descobrir quem eu sou, sozinha. Quero ser independente!?

Como boa pisciana sempre me misturei com meus parceiros de relacionamentos. Gostava do que eles gostavam, fazia o que eles faziam. Fiz muita terapia para tentar encontrar quem eu era, tentando me “separar” dos meus companheiros, porque eu me “identificava” demais com eles. Durante muitos anos, o título dos meus diários era: o que “eu” quero?

Saber o que se quer nem sempre é fácil. Nossos “quereres” (existe isso?) estão sempre muito misturados como os desejos dos outros, da cultura, da sociedade, da família, dos parceiros de trabalho, dos parceiros amorosos.

E eu, o que quero? O que sou? O que sou sem a referência do outro? É possível ser sem o outro, sem alguém que me olhe?

Estar com alguém é ter sempre alguém que nos olha e que nos diz algo de nós. E, sem perceber, nos moldamos a esse olhar, a essa referência. Comigo foi assim, me moldei a uma referência criada não pelo outro, meu companheiro, mas pela relação. E, isso, sem dúvida alguma, reduz possibilidades, fecha, limita.

Por outro lado, é muito confortável e seguro. Criamos uma forma de relacionamento onde conseguimos negociar e chegamos a um ponto em que sabíamos exatamente até onde poderíamos ir, o que deveríamos ceder, o que poderíamos falar, o que silenciar. Até que essa forma segura e confortável cansou, se exauriu, perdeu o sentido. Comecei a perceber que eu não queria mais fazer certas coisas para manter o relacionamento. E por que tinha que manter? Ah, porque eu era quem nunca conseguia manter as coisas, era instável e queria um relacionamento estável. E porque não queria ficar sozinha. 

A “deixa” da separação veio quando, um dia, eu percebi que podia ficar sozinha. Por que não? Depois que essa ideia surgiu, não teve mais volta. Quando criamos uma possibilidade na mente, a concretização dela é só uma questão de tempo. Para mim foram semanas.

No começo, os primeiros seis meses, não consegui estar sozinha. Arrumei uma série de atividades, constituí novos grupos de amizades, me ocupei de várias formas. Não havia um dia sequer em que não estivesse envolvida com algo. Mas este tempo passou e, aos poucos, fui me aquietando, aquietando minha mente.

Minha mente estava ansiando por calma, por se conhecer, por estar consigo mesma. Quando a mente se acalmou, as atividades cessaram, os amigos se afastaram e o processo iniciou.

Nada como havia imaginado. Dor profunda, um abismo, altos e baixos. Olhar para si mesmo não é nada agradável, nem prazeroso. É difícil, duro, sofrido. Todas as certezas vão por água abaixo. Não há onde se segurar. Mas é preciso seguir! Como diria meu professor: Keep going! Vá em frente, siga, não pare. Tudo é impermanente, tudo vai passar. Calma!!! O “calmo permanecer”!

E assim estou indo. Estar sozinha me permite olhar para mim independentemente dos outros, dos outros olhares, de alguém que me aprove, ou desaprove. De alguém que me queira, que não me queira. De alguém que pense algo de mim ou que se sinta indiferente a mim. De alguém que me ame ou de alguém que me odeie. Eu existo, não porque alguém externo me reconhece, mas porque eu me sinto.

Este tem sido um GRANDE desafio para mim. A todo momento é como se faltasse algo, faltasse alguém. Anseio a cada instante por alguém que me veja, me toque, diga algo pra mim. Mas não há ninguém, só eu.

Então, é preciso desenvolver aceitação, amor e compaixão incondicional por mim mesma, pelo que sou, pelo que tenho, pelas minhas qualidades e defeitos. Não há ninguém aqui que pode me dar isso, apenas eu.

Independência ou morte!!!


Texto escrito em 07/09/16, mas que ainda faz muito sentido hoje.

 

domingo, 5 de setembro de 2021

RELAÇÃO POTÊNCIA


Me ver de modo profundo

Ver o que não conseguia ver sozinha

Ver por meio do espelho da relação

Amar para além da razão

Sentir, me entregar

Me jogar no escuro, no desconhecido

Me deixar apaixonar

Me perder pra me encontrar

Viver uma grande aventura

Ser desejada

Estar com alguém que não se reduz a um rótulo

Estar com alguém que não pode ser conhecido

Estar com alguém que é sempre mais do que consigo nomear

Estar com um mutante

Olhar para a doença, velhice e morte

Me abrir e me ferir, e me ferir de novo e me abrir de novo

Sentir a dor das feridas

Enlouquecer, perder o controle

Romper com o conhecido

Desabar

Cair e me erguer

Olhar para a realidade

Buscar o desejo

Sonhar, fantasiar

Sentir a dor da partida e a alegria do reencontro

Lidar com o que é estranho

Me chocar com o que é diferente de mim

Me desafiar

Me abrir

Estar fascinada

Amar e ser amada

 

Em 05/09/21

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

INFERNO

De novo aqui

É como um sonho que se repete toda a noite

Pesadelo

 

Ouço vozes ao longe:

“Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo!”

Mas não as sinto

Não reconheço

Palavras ao vento!

 

Estou só!

Há pessoas...

Mas estou só

 

Eu tento falar

Me fazer ouvir

Mas não há eco

 

A voz não sai

Tem algo engasgado

A voz não sai

 

Eu faço força

O grito sai

Mas não há eco

 

Eu espero

Mas o tempo é infinito

Não há ninguém agora

Só o vazio

 

Eu sinto frio

Pés e mãos congelam

Meu corpo treme e se contrai

Meu peito aperta

Não tenho ar

Eu vou morrer aqui!

“Por favor, me tira daqui!”

 

Alguém chega

E diz alguma coisa qualquer

Que não compreendo, que não aceito

 

E eu corro

Corro tão rápido

Quanto uma lebre assustada

Que se afasta quilômetros em poucos segundos

Subo e desço morros

Quero estar longe, bem longe

 

Me canso e durmo

 

Quando acordo

Estou no mesmo lugar

Eu dou voltas

Saltito

Faço giros de 360 graus

E retorno

Sempre ao mesmo lugar

 

Me sinto encurralada

Sem saída

Apertada

Sufocada

Alguém me agarra forte

Me comprime

 

“Socorro!” – eu grito

“Me solta! Me solta!”

Alguém ouve

Mas não me socorre!

 

“Se quiser sair vai ter que me matar!” – ele diz

Mas eu não posso matar

Eu vou morrer aqui

 

Matar ou morrer?

Certo e errado!

Dilema

Dilacerante

Cortante

Insuportável

Sofrimento insuportável

Pânico

Medo

Fim...

 

Vazio

Esquecimento

Cair no esquecimento

Frio

Escuridão

 

Silêncio

Tempo

Tempo

Tempo

 

E mais tempo

 

Uma fagulha se acende

E brilha na escuridão do vazio

Ouço sons

Mantras

Alguém reza por mim

 

Pela primeira vez

Meu coração se acalma

Respiro

“Inspira, exala!” – alguém diz

Eu inspiro, exalo

Me sinto segura

Tranquila

Em paz, finalmente

 

Consigo abrir os olhos

Renasci...


Em 17/09/20


É PERMITIDO ENVELHECER

Hoje é o primeiro dia da licença de três meses que antecede a minha aposentadoria. É muito bom poder realizar a minha rotina antiga - medita...