quinta-feira, 7 de outubro de 2021

VIAGEM PARA DENTRO

 

A vida nos presenteia, a cada instante, com tudo que precisamos para crescer. A questão é saber se realmente queremos crescer. E o que é crescer? Crescer para mim, hoje, é me aceitar. Aceitar aquilo que penso que sou, aceitar aquilo que os outros pensam de mim, aceitar aquilo que ainda não sei sobre mim mesma. Aceitar-me implica não mais esperar pela aceitação dos outros e não depender mais disso para ser feliz.

Me vejo olhando para memórias que estavam muito bem guardadas, trancafiadas até, para lugares dentro de mim onde nunca entrei. A cada dia renovo a coragem, o amor e a compaixão necessários para fazer uma viagem como essa.

Há tempos, quando fui para o Nepal, tive a oportunidade de pegar um bimotor e ver o Monte Evereste bem de pertinho. Eu sempre tive vontade de ir a lugares longínquos, distantes de tudo e de todos, pois imaginava que num desses lugares iria encontrar todas as respostas que procurava. Mas quando cheguei lá, quando estava de cara com aquelas montanhas suntuosas, com toda aquela grandeza e beleza, percebi que aquilo tudo era vazio, ou seja, que o que eu buscava não estava ali. Nada aconteceu dentro de mim, nenhuma mudança, nenhuma mágica ou algo especial.

Esses dias, lendo um livro budista, da Pema Chödron, me dei conta, pela primeira vez, depois de tantos anos lendo e relendo livros como esse que o Caminho do Meio, do qual Buda falava, era o caminho sem direção, o caminho da não-ação, sem movimento, sem ambições. O caminho de parar e olhar para si mesmo.

Na minha vida toda eu fiz planos, e todo ano fazia metas e consegui atingir muitas delas. Minhas metas me davam direção e, assim, eu estava sempre em movimento. Esse é o pensamento comum, de que precisamos ter sonhos, ter metas, saber aonde queremos ir para poder caminhar. E, mais que tudo, precisamos caminhar, nos movimentar na vida.

Mas há tempos vinha sentindo a necessidade de parar esse movimento e de, finalmente, me aquietar. Um acontecimento especial trouxe a oportunidade e decidi que tinha chegado a hora de fazer a roda (da vida) parar de girar.

A grande viagem da minha vida está sendo a viagem para dentro de mim mesma, sem planos, sem projeções para o futuro, um movimento sem movimento. E nessa viagem, aceitação tem sido palavra-chave, algo recorrente nas reflexões do dia a dia.

Essa experiência foi muito sofrida no início, mas agora está começando a ser prazerosa, pois estou gostando de estar só, comigo mesma. Parece estranho afirmar algo assim, mas não é. Explico. Eu sempre busquei companhia, nunca gostei de ficar sozinha. Eu podia ficar sozinha a manhã inteira fazendo minhas tarefas, até dias sozinha, mas eu precisava saber que eu tinha alguém, que alguém preenchia a minha vida, a minha mente. Então, minha mente estava sempre em movimento, na direção de alguém, na espera, na expectativa. Mesmo quando não tinha ninguém, estava à procura. A mente estava ocupada com a busca. A mente estava sempre direcionada para fora, nunca para dentro.

Viajar para dentro de mim mesma tem sido uma experiência incrível. Como é bom me olhar no espelho e ver minha própria imagem. Como é bom me tocar e sentir minha própria pele. Como é bom, enfim, estar comigo mesma. A descoberta mais incrível, recente, atual mesmo, é que estou gostando de mim. Isto não é nada óbvio, embora devesse ser. É um aprendizado: diário, constante, às vezes difícil.

Tanto já foi dito que devemos primeiro amar a nós mesmos para poder amar o próximo, mas isto realmente não é algo que experienciamos. O mais comum é não conseguirmos amar verdadeiramente os outros porque simplesmente não nos amamos e porque, nem sequer, nos conhecemos ou re-conhecemos.

Viajar para dentro é re-conhecer que sou bonita muitas vezes, mas muito feia em outras tantas. Que sou amável, mas às vezes odeio certas coisas e pessoas e sinto raiva. Que eu sou competente em muitas tarefas, mas também erro, cometo falhas, sou imperfeita. Que tenho amigos, pessoas que gostam de estar comigo, mas que há pessoas que preferem me ignorar ou que não querem me ter por perto. Que sou uma boa professora em parte do tempo, mas terrível em outra parte. Que sou boa, mas não sou a melhor. E por que teria que ser? 

Nesta viagem descobri que o caminho da aceitação é o caminho da não-dualidade, da não-exclusão, da integração de tudo que está dentro de mim. Que eu não preciso rejeitar certas partes, deixando-as na sombra, na escuridão e sofrendo, infinitamente, por rejeitá-las. Que eu não preciso ser a menina boazinha e certinha todo o tempo para poder existir neste mundo. Que eu, finalmente, posso ser quem eu sou...

Escrito em 05/10/2016

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