“A menos que nos tornemos a mudança que desejamos ver acontecer no
mundo, nenhuma mudança jamais acontecerá.” (Arun Gandhi)
Há alguns dias atrás participei
de uma roda de conversa sobre educação e consciência, com Juliana Corullón, educadora
e terapeuta ocupacional, e a pergunta de todos que estavam lá era como mudar a
situação caótica em que nos encontramos nas escolas, no sistema educacional, na
sociedade, na política, no mundo.
Vivemos num mundo superficial,
massificado, excludente, violento... etc., etc. Ninguém está satisfeito. Todos
lá estavam desanimados de alguma maneira, infelizes e sofrendo pelas situações
de vida em que estão passando: pais vendo seus filhos serem excluídos e
“violentados” nas escolas e professores, como eu, não sabendo lidar com alunos
agitados, com baixa capacidade de concentração, indisciplinados, que não sabem
ouvir, que não aceitam nossas propostas educativas, egocêntricos, etc., etc. Todos
queriam alguma luz, alguma referência para pensar de outra maneira as situações
que estão vivendo e encontrar soluções.
Juliana, na sua humildade e
paciência, foi nos conduzindo, passo a passo, a uma reflexão que, em síntese,
dizia: a mudança começa pela nossa consciência. A mudança começa por cada um de
nós, por estarmos conscientes do que estamos fazendo, falando, pensando, sendo.
Segundo Juliana, provavelmente
tomando como base o Budismo, tradição espiritual da qual participou como co-fundadora
e ex-diretora da Escola Caminho do Meio, em Viamão/RS, os outros são nossos
espelhos, ou seja, temos que voltar o olhar para nós. O que vemos no outro está
falando de nós e não apenas dele.
O mundo é nosso espelho, diz o
Budismo, é projeção de nossa mente. Noção tão básica, presente de alguma
maneira na Psicologia, nos livros de autoajuda e em tantos outros referenciais,
mas tão difícil de aplicar. É tão fácil colocar a responsabilidade nos outros,
tão cômodo pensar que existe algo que o outro pode fazer para me libertar. E
por que ele não faz? Por que as pessoas e o mundo são tão insensíveis, me
pergunto e penso que todos, de alguma forma, se perguntavam naquela noite.
Mas se achamos que é tão fácil
para os outros mudarem, por que não começamos conosco? Não é lógico? Ah, mas
talvez nós não precisemos mudar, porque já estamos fazendo a nossa parte. Quem
tem que fazer a sua parte é o outro. Hum, isso mostra uma falha nossa, que Juliana
tão bem soube sinalizar. Falta-nos consciência, consciência de nós mesmos.
O primeiro passo, então, é estar
consciente. E estar consciente é estar presente, atento, vigilante às nossas
ações, palavras, pensamentos. Como posso querer que o outro me escute e atenda
minhas necessidades se eu mesma sequer estou consciente de minhas próprias
necessidades? Ou, mesmo que saiba, não me dou conta de que não sou capaz de me
abrir para escutar o outro nas suas necessidades? Não me dou conta de que, ao
invés de ouvir e escutar, de fato, julgo o outro segundo meu próprio ponto de
vista?
E como estar consciente? Juliana começa indicando a prática da
meditação diária. Cinco minutos por dia. E se não podemos fazer cinco minutos,
dividimos esse tempo durante o dia. A meditação vai nos dar condições de poder
responder às situações de forma não-reativa, não-impulsiva.
A meditação, como nos ensina o
Budismo, tradição que também estudo e tento a muito custo praticar há alguns
anos, vai acalmar a mente, vai nos ajudar a estarmos mais presentes no que
estamos fazendo, a notar o que se passa na mente. O que pensamos, o que
falamos, o que fazemos? Inspirar e expirar, simplesmente, observando esse
movimento, nos ajuda a criar espaço na mente, a não deixar que nossa mente
fique entulhada com tantas ocupações e pensamentos que se seguem um ao outro,
num fluxo interminável, deixando-nos perdidos e confusos. A meditação vai nos
ajudar a clarear a mente, a tirar os véus que obscurecem a nossa percepção da realidade.
O que é a realidade? O que é meu, o que é do outro? A meditação traz
iluminação, ou seja, coloca luz naquilo que estava escuro, que não era visto e
percebido. A meditação traz consciência.
E Juliana segue nos orientando em outra prática, a de olharmos uns nos olhos dos outros por um minuto. E quando olho para o outro, nos seus olhos, com abertura, vejo que o outro é alguém como eu. O outro é humano, falível como eu. Mas tem qualidades, assim como eu. Está buscando a felicidade e não quer sofrer e eu também. O outro é meu pai, minha mãe, meu filho, meu irmão, meu colega de trabalho, meu chefe, meu companheiro: o outro é aquele que permite que eu seja eu. O que sou sem o outro que me enxerga, que se relaciona comigo? Quem sou eu sozinha no mundo? E se não sou sem o outro, eu sou o outro e ele sou eu. Não há tanta separação entre ele e eu quanto eu penso. Há muito mais igualdades que diferenças. Há muito mais proximidade que distanciamento.
Quando olho nos olhos do outro,
eu me encontro comigo. Assim, eu aceito o outro e também a mim mesma. Eu deixo
todas as armas de lado, todas as culpas, todos as críticas, todos os
julgamentos. Eu quero que ele seja feliz, assim como eu, e que não sofra, assim
como não quero sofrer.
Quando dois seres se olham uns
nos olhos dos outros diariamente, é possível criar uma cultura de paz. É
possível encontrar novas formas de comunicação mais eficazes e menos
julgadoras, condenadoras e seletivas.
Este encontro com Juliana, para
mim, foi muito especial. E suas palavras, sua presença, sua sabedoria expressa
ali naquele momento, foram um presente. Eu encontrei uma pista para sair do
desânimo em que estava e para me encontrar comigo.
Eu tomei consciência, não
imediatamente, mas depois de alguns dias de muita leitura, reflexão e
meditação, que estava responsabilizando todos, menos eu, pelo meu desconforto e
mal-estar. Não adianta eu trocar de turma ou sair da escola, ou trocar de
parceiro, ou buscar outros amigos. O que é meu vai comigo para onde eu for, com
quem eu estiver.
Por fim, uma luz surgiu na minha
mente: eu sou a mudança que quero no
mundo. E se a mudança sou eu, se depende de mim, há muito trabalho pela
frente. “Keep going”, diria meu mestre Chagdud Tulku Rinpoche. Não posso
desperdiçar o tempo com tanta queixa e desânimo. Eu preciso força, coragem e
determinação para mudar a mim mesma e, assim, poder pacificar o mundo onde me
encontro. A vida humana é curta e preciosa! E eu preciso começar agora mesmo!
Escrito em 17/07/17
Obrigada Carliza Timm, excelente, esclarecedora e instrutiva prosa. Namaste...
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