Quando falava com um amigo valoroso sobre como certas pessoas testam nossos limites e conseguem nos deixar sem chão, ele, sem pensar muito disse, sabiamente: “Se alguém te coloca nos teus limites e te deixa sem chão é porque, talvez, tua casa não tenha bons alicerces”. Fiquei pensando sobre o quanto isso faz sentido pra mim.
Há alguns anos venho tentando
limpar minha casa, a externa, mas também a interior. Já sonhei muitas vezes que
estava no meio de muito lixo, que via muito entulho dentro de casa. Ao mesmo
tempo eu sentia um mal-estar quando olhava para minha casa e via ela cheia de
coisas, cheia de livros na estante que nunca li, cheia de objetos sem uso, cheia
de roupas, guardadas nos armários, que eu imaginava um dia usar. Eu sentia uma
necessidade de ter “espaço”, uma necessidade de amplidão.
E só agora, depois de tirar todo excesso,
todo lixo, de ver a casa espaçosa, é que, finalmente, veio a oportunidade de
colocar coisas novas. Esta ocasião surgiu com a expectativa da visita de uma
pessoa muito importante e nobre. Foi assim que eu me senti motivada a completar
o trabalho que havia iniciado com a limpeza e o descarte, mas que agora tinha
que ser concluído com a renovação de alguns objetos.
O mais incrível é que tudo fluiu
naturalmente. No meu aniversário eu ganhei um sofá novo de uma amiga generosa,
minha mãe, mais generosa ainda, me deu uma colcha e um tapete, além de reformar
todas as cortinas da casa. Quando liguei para o telefone do estofador, ele
prontamente disse que viria até minha casa na mesma manhã para fazer um
orçamento sem compromisso. Ele veio e já levou as almofadas das minhas cadeiras
velhas da cozinha e prometeu trazê-las novas no dia seguinte. Que alegria! É
tão bom sentir essa maré de coisas boas, quando tudo dá certo e tudo de bom
acontece de modo natural.
É muito interessante perceber como
a realidade externa e interna não estão separadas e o quanto ambas se
influenciam mutuamente. Organizar minha casa, descartar, limpar foi um processo
que ocorreu também internamente. Foram anos fazendo diferentes formas de
terapia, retiros, escrevendo pilhas de diários para tentar entender a causa de
tanto sofrimento. Foi um trabalho
exaustivo de tentar me libertar dos apegos ao passado, dos dramas da infância,
da carência imobilizadora, do medo do abandono e da rejeição, do
perfeccionismo.
Claro que o trabalho nunca está
terminado. O tempo passa e como tudo envelhece e chega no limite de validade, é
preciso novamente pintar, trocar as cortinas velhas, o piso que trinca,
adquirir coisas novas. Renovar a casa e
a vida é não só um trabalho sempre bem-vindo, mas necessário. Mas existem
coisas que não envelhecem e a beleza da casa não está tanto nos objetos, mas na
harmonia do ambiente e na organização.
Marie Kondo, mestre da
organização de casas e autora do livro “A mágica da arrumação” diz que uma vez
entendidos os princípios básicos da organização, a casa jamais voltará a ficar
bagunçada. Ou seja, uma vez que não guardamos mais coisas que não tem uso, que
não adquirimos coisas que não vamos precisar ou que colocamos cada coisa no seu
lugar, entre alguns dos princípios mais importantes, a casa se manterá
organizada. E isto serve para a vida.
Quando olho para minha casa hoje,
vejo o lindo trabalho que fiz. É uma casa simples, não tem nada de caro, nem
extravagante, não tem nenhum móvel sob medida. Mas é uma casa limpa, clara,
espaçosa, com harmonia de cores, de detalhes, com peças que identificam o
morador. É a minha casa, que eu fiz, do jeito que eu pude, que eu quis, com meu
próprio esforço.
Quando olho para dentro de mim
hoje, vejo a beleza que não era capaz de ver. Era tanto lixo que eu acumulava
internamente, tantas ideias errôneas sobre a vida, sobre as pessoas, sobre mim
mesma que eu não conseguia ser feliz. E eu culpava os outros, pensava que eram
os outros que me faziam sofrer.
Mas eu quis muito me libertar de
tudo isso, quis muito parar de culpar os outros e tentar olhar pra dentro de
mim, para minha própria casa. E não fiz isso sozinha, é claro, precisei de
muita ajuda e busquei ajuda de diferentes maneiras. Mas o principal esforço foi
meu. O principal motor foi o desejo de me libertar do sofrimento, o desejo de
ser feliz e o desejo de não causar mal aos outros.
Hoje posso dizer que minha casa
tem alicerces. E ter alicerces não significa que as coisas vão ser perfeitas na
minha vida, que não vou errar mais, que não vou ter obstáculos, mas significa
saber que não importa o que aconteça externamente, existe algo dentro de mim que
não pode ser destruído, não pode ser bagunçado. Essa confiança, essa paz
interior é algo que advém, como disse um dos meus professores espirituais, da
certeza de que eu fiz o melhor que pude, o melhor de mim mesma.
Meu amigo valoroso, depois de
falar sobre os alicerces da casa, contou a história de São Francisco de Assis
sobre a perfeita alegria. Eu li a história e o que ficou para mim, numa livre interpretação
no contexto da conversa que estávamos tendo é que a perfeita alegria é sermos
capazes de estarmos em paz diante das adversidades da vida, porque sabemos quem
somos e porque nos sentimos confortáveis com nossa casa, com nosso lar, com
aquilo que construímos para nós.
Minha filha, que admiro muito e
com quem sempre aprendo algo novo, me disse recentemente que seu lema atual é
“isto não é um problema”. O que quer dizer que diante de tantos graves
problemas no mundo de hoje, esses pequenos problemas pessoais são ínfimos e não
deveriam nos tirar o sono, nem nos inquietar tanto a ponto de sofrermos
demasiadamente por eles. Temos que ter dignidade e força para enfrentar os
obstáculos com a cabeça erguida, sabendo que eles nos atravessarão, mas não levaram
aquilo que dentro de nós é indestrutível. Se mantivermos nossos alicerces
firmes, talvez poderemos ser capazes de trazer felicidade não apenas a nós
mesmos, mas também a todos os seres.
Texto escrito em 23/10/2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário