quinta-feira, 7 de outubro de 2021

APRENDENDO A RESPIRAR

 

           Hoje fui fazer uma radiografia dos pulmões, porque estou com falta de ar já há algum tempo. Já pesquisei sobre o significado emocional desse sintoma físico e o que fica para mim é a dificuldade de me relacionar com a vida. Inspirar e expirar. O ar me conecta com o mundo, com todos os seres e eu tenho dificuldade de fazer isto. Medo de viver? Do que tenho medo? Medo de sentir a dor do mundo.

Desde pequena, sempre fui uma criança sensível e pareço ver coisas que os outros não veem, ou talvez, sentir coisas que os outros não sentem. Com o tempo, descobri que isso é uma qualidade dos piscianos. A “pequena pisciana”, uma vez eu li num texto de astrologia, e isso me soou como se eu fosse uma “criatura frágil”, parecida com aqueles seres estranhos dos contos de fada, com orelhas grandes, olhos profundos e corpos magros. Sendo assim, nunca pude expressar o que via, o que sentia, porque os adultos nem sempre dão bola para as crianças.

Mas meu mundo interior sempre foi muito vasto e eu sentia necessidade de compartilhar isso, de entender, de expressar, elaborar. Com o tempo, percebi que o mundo interior não era algo muito valorizado na sociedade, não era falado, abordado, ensinado. E, aos poucos, fui entendendo que não podia falar sobre isso. E fui silenciando em mim essas vozes internas, meu mundo rico e fantástico, cheio de tanta beleza. Aprendi desde muito cedo a dizer e fazer as coisas certas para ser aceita, para poder existir.

Quando escrevi isto agora, eu chorei, como se estes “seres” que habitam esse espaço interno (ou externo também), pudessem finalmente respirar. Não havia ar para eles lá dentro, pois estavam trancafiados. Hoje eu abri esta porta, essa passagem de ar, o canal de ligação, a conexão com esse mundo. Eu me vejo de novo, eu me sinto! E choro muito. Choro muito por me encontrar depois de tantos anos afastada de mim mesma.

Esta noite sonhei com uma dança, um espetáculo. Eu e uma criança pequena, delicada, bela, dançávamos juntas, completamente “encaixadas”, integradas uma a outra. Era como se deslizássemos em um piso acetinado e formássemos uma bela dança, em perfeita harmonia de movimentos. Quando terminamos a dança, eu a levantei no colo e a coloquei em uma bancada e ela quis falar. Mas os adultos não quiseram ouvi-la.

Esse sonho é muito revelador deste momento da minha vida, mas também do que já foi. A dança de integração com partes de mim do passado, hoje, e o silêncio ao qual me submeti até agora.

O ar faz a conexão entre mundo interno e externo e eu estou aprendendo a respirar. A médica perguntou há quanto tempo eu sentia falta de ar e eu me dei conta de que desde a minha infância. Sim, desde a minha infância eu não respiro bem, mas só agora tomo consciência disso. Hoje tenho 48 anos. Quando penso nisso, sinto uma tristeza profunda, uma compaixão por mim mesma por ter chegado a este momento só aos 48 anos. De outro lado, eu me contento, porque penso: que bom que eu pude ver isso enquanto ainda havia tempo de mudar. Não há mais tempo a perder. Eu quero viver, mais que nunca!!!

Não vou me entupir de remédios, como a médica quis que eu fizesse. Os remédios simplesmente tratam o sintoma, não a causa. Eles camuflam, escondem, entorpecem as realidades profundas que precisamos acessar. A doença, como diz um livro que amo, é um caminho, um caminho de autoconhecimento. A doença é uma mensagem, um presente do corpo para a cura da alma. A doença faz parte da linguagem da alma.

Então, quero olhar para isto, quero sentir a falta de ar e tomar consciência dela cada vez mais. Quero olhar para esta criança do meu sonho, para as crianças da minha sala de aula que anseiam por se expressar. Quero sentir a dor do mundo, a dor dos seres que não podem falar, que não são ouvidos, que não são aceitos. Quero olhar para aqueles que pensam não existir porque ninguém lhes enxerga. Quero ver aquilo que não vi durante muito tempo. Quero me enxergar.

 

Escrito em 28/10/16

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