segunda-feira, 25 de outubro de 2021

LEIA, POR FAVOR...EU TE AMO

Era hora do chá. Todos os dias, a mesma hora, Sara tomava chá com biscoitos antes de ir para aula. Nesse dia, sem saber porque, resolveu checar seus e-mails. Entre eles, havia um, com o título “leia, por favor...eu te amo”, que lhe chamou atenção. 

 

“Te amo demais!

Preciso dizer o quanto amo você!

Às vezes você passa e eu fico te olhando, morro de medo de falar contigo e você me rejeitar.

Espero que você pelo menos se interesse em ler o texto que fiz, nele pelo menos eu digo quem sou. MAS POR FAVOR, NÃO FIQUE COM RAIVA DE MIM!”

 

Ao terminar de ler, sentiu uma pitada de orgulho e ficou curiosa para ler o texto em anexo. Tentou abrir, mas não conseguiu. Enquanto relia a mensagem, Sara indagava-se sobre quem seria que mandara aquela declaração de amor. Não costumava sair, a não ser para ir ao trabalho. Muito menos dava seus dados pessoais para desconhecidos. Talvez seja algum aluno! Esse pensamento passou por sua mente numa velocidade que quase ela não percebeu. Será que poderia admitir isso pra si mesma? Um aluno? Em 25 anos de Magistério nunca havia acontecido algo semelhante. E logo agora que ela já havia passado da idade de namorar?

Mas a ideia de ter um aluno apaixonado começou a fisgá-la. Achou interessante cogitar essa possibilidade e começou a pensar em prováveis candidatos. O primeiro de quem lembrou foi o Walter. Era um rapaz bem tímido, mas que seguidamente vinha conversar com ela pedindo esclarecimentos e orientações. Lembrou que um dia, em uma aula, Walter olhara sorridente para ela. Quando percebeu, ficou encabulada e virou o rosto. Lembrou de outros tantos olhares que passaram despercebidos no momento, mas que agora adquiriam outro significado.

Continuou a procurar na memória algum outro aluno e lembrou de Ulisses. Ulisses já não era tão jovem; talvez já tivesse uns 35. Mesmo assim era bem distante dos seus quase 60. Ela já prestara atenção nele. Geralmente se vestia formalmente, com calças de tergal e sapatos. Lembrou que um dia ele fora à aula de terno e gravata. Sara gostava de homens bem vestidos, num estilo formal. Mas Ulisses não parecia estar interessado nela. Mas e ela, estaria interessada nele? Nunca havia pensando sobre isso, era como se fosse proibido pensar. Lembrou que já havia observado que ele não usava aliança. Nesse instante, derramou o café quente na blusa bege, que combinava com a calça num tom marrom claro e teve raiva de si mesma por estar pensando em tantas bobagens. Sim, bobagens, coisas de adolescente, não de uma mulher da terceira idade como ela! Trocou a blusa, ajeitou o cabelo no espelho, pegou suas coisas e saiu para aula.

Naquele dia, ela se sentiu diferente. Olhou para os alunos não só como professora, mas como mulher. Durante o intervalo, lembrou de retocar o batom e arrumar o cabelo. Olhou-se no espelho e notou que estava com uma expressão mais alegre. Fazia tempo que não se sentia assim em sala de aula, tão leve, tão solta, tão espontânea. Geralmente tinha uma expressão carrancuda e séria, que mantinha os alunos à distância. Nesse dia, alguns alunos se aproximaram e uma moça lhe fez um elogio, dizendo que a aula tinha sido muito boa. 

Sara voltou para casa cheia de expectativas. Quem sabe sua vida estava lhe abrindo uma porta? Quem sabe não poderia viver o amor que tanto sonhara, mas que já havia desistido? Mais uma vez lembrou da mensagem e de Ulisses. Talvez ele fosse mesmo muito tímido para se aproximar dela ou dar a entender algo e por isso havia enviado aquela mensagem. Decidiu que faria algo para tirar a dúvida. Sim, ela precisava fazer algo. Já não podia mais deixar o tempo passar, não podia mais desistir de viver. 

No dia seguinte, acordou cedo, tomou um banho demorado e escolheu, com cuidado, o que vestir. Maquiou-se, colocou brincos e salto alto. No final, olhou-se no espelho e viu uma outra Sara, muito mais jovem e alegre.

Quando chegou à Universidade, algumas colegas conversavam e Sara se aproximou para cumprimentá-las. Todas olharam-na com espanto, sem acreditar no que viam. “O que aconteceu, Sara?” Sara não respondeu, só expressou um sorriso tímido. Enquanto checava sua gaveta, ouviu quando uma das colegas contou a outra que havia recebido uma mensagem anônima que dizia “leia, por favor...eu te amo”. Logo percebeu que o e-mail era uma brincadeira, ou até uma mensagem contendo vírus, como a colega cogitara. Saiu da sala completamente desiludida, sentindo-se uma palhaça vestida daquele jeito. Teve vontade de ir pra casa e dar uma desculpa qualquer para os alunos, mas não teve coragem. Sua ética era muito mais forte do que seu desejo de sair correndo dali.

Sara entrou na sala de aula e todos olharam-na estupefatos, inclusive Ulisses. Até então, ele nunca havia notado a mulher por trás da professora. Nesse dia, não foi possível deixar de perceber. A professora Sara estava realmente bonita, elegante e sedutora.     


Escrito em agosto de 2007. 

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