Era hora do chá. Todos os dias, a mesma hora, Sara tomava chá com biscoitos antes de ir para aula. Nesse dia, sem saber porque, resolveu checar seus e-mails. Entre eles, havia um, com o título “leia, por favor...eu te amo”, que lhe chamou atenção.
“Te amo demais!
Preciso dizer o quanto amo você!
Às vezes você passa e eu fico te
olhando, morro de medo de falar contigo e você me rejeitar.
Espero que você pelo menos se interesse em ler o
texto que fiz, nele pelo menos eu digo quem sou. MAS POR FAVOR, NÃO FIQUE COM
RAIVA DE MIM!”
Ao terminar de ler,
sentiu uma pitada de orgulho e ficou curiosa para ler o texto em anexo. Tentou
abrir, mas não conseguiu. Enquanto relia a mensagem, Sara indagava-se sobre
quem seria que mandara aquela declaração de amor. Não costumava sair, a não ser
para ir ao trabalho. Muito menos dava seus dados pessoais para desconhecidos.
Talvez seja algum aluno! Esse pensamento passou por sua mente numa velocidade
que quase ela não percebeu. Será que poderia admitir isso pra si mesma? Um
aluno? Em 25 anos de Magistério nunca havia acontecido algo semelhante. E logo
agora que ela já havia passado da idade de namorar?
Mas a ideia de ter um
aluno apaixonado começou a fisgá-la. Achou interessante cogitar essa possibilidade
e começou a pensar em prováveis candidatos. O primeiro de quem lembrou foi o
Walter. Era um rapaz bem tímido, mas que seguidamente vinha conversar com ela
pedindo esclarecimentos e orientações. Lembrou que um dia, em uma aula, Walter
olhara sorridente para ela. Quando percebeu, ficou encabulada e virou o rosto.
Lembrou de outros tantos olhares que passaram despercebidos no momento, mas que
agora adquiriam outro significado.
Continuou a procurar
na memória algum outro aluno e lembrou de Ulisses. Ulisses já não era tão
jovem; talvez já tivesse uns 35. Mesmo assim era bem distante dos seus quase
60. Ela já prestara atenção nele. Geralmente se vestia formalmente, com calças
de tergal e sapatos. Lembrou que um dia ele fora à aula de terno e gravata. Sara
gostava de homens bem vestidos, num estilo formal. Mas Ulisses não parecia
estar interessado nela. Mas e ela, estaria interessada nele? Nunca havia
pensando sobre isso, era como se fosse proibido pensar. Lembrou que já havia
observado que ele não usava aliança. Nesse instante, derramou o café quente na
blusa bege, que combinava com a calça num tom marrom claro e teve raiva de si
mesma por estar pensando em tantas bobagens. Sim, bobagens, coisas de
adolescente, não de uma mulher da terceira idade como ela! Trocou a blusa,
ajeitou o cabelo no espelho, pegou suas coisas e saiu para aula.
Naquele dia, ela se
sentiu diferente. Olhou para os alunos não só como professora, mas como mulher.
Durante o intervalo, lembrou de retocar o batom e arrumar o cabelo. Olhou-se no
espelho e notou que estava com uma expressão mais alegre. Fazia tempo que não
se sentia assim em sala de aula, tão leve, tão solta, tão espontânea.
Geralmente tinha uma expressão carrancuda e séria, que mantinha os alunos à
distância. Nesse dia, alguns alunos se aproximaram e uma moça lhe fez um
elogio, dizendo que a aula tinha sido muito boa.
Sara voltou para casa
cheia de expectativas. Quem sabe sua vida estava lhe abrindo uma porta? Quem
sabe não poderia viver o amor que tanto sonhara, mas que já havia desistido?
Mais uma vez lembrou da mensagem e de Ulisses. Talvez ele fosse mesmo muito
tímido para se aproximar dela ou dar a entender algo e por isso havia enviado
aquela mensagem. Decidiu que faria algo para tirar a dúvida. Sim, ela precisava
fazer algo. Já não podia mais deixar o tempo passar, não podia mais desistir de
viver.
No dia seguinte,
acordou cedo, tomou um banho demorado e escolheu, com cuidado, o que vestir.
Maquiou-se, colocou brincos e salto alto. No final, olhou-se no espelho e viu
uma outra Sara, muito mais jovem e alegre.
Quando chegou à
Universidade, algumas colegas conversavam e Sara se aproximou para
cumprimentá-las. Todas olharam-na com espanto, sem acreditar no que viam. “O
que aconteceu, Sara?” Sara não respondeu, só expressou um sorriso tímido.
Enquanto checava sua gaveta, ouviu quando uma das colegas contou a outra que
havia recebido uma mensagem anônima que dizia “leia, por favor...eu te amo”.
Logo percebeu que o e-mail era uma brincadeira, ou até uma mensagem contendo
vírus, como a colega cogitara. Saiu da sala completamente desiludida,
sentindo-se uma palhaça vestida daquele jeito. Teve vontade de ir pra casa e
dar uma desculpa qualquer para os alunos, mas não teve coragem. Sua ética era
muito mais forte do que seu desejo de sair correndo dali.
Sara entrou na sala de aula e todos olharam-na estupefatos, inclusive Ulisses. Até então, ele nunca havia notado a mulher por trás da professora. Nesse dia, não foi possível deixar de perceber. A professora Sara estava realmente bonita, elegante e sedutora.
Escrito em agosto de 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário