sexta-feira, 17 de setembro de 2021

TEMPO E TRABALHO

 As coisas mais importantes da vida levam tempo. Tempo é palavra-chave.

Eu preciso de tempo. O tempo é precioso para mim. Há alguns anos decidi trabalhar fora só um turno. Isso vai contra a tendência usual. Eu tenho tempo, porque me dou este tempo. Eu me dei, me presenteei com um tempo para mim. Um tempo para fazer as coisas que são essenciais na minha vida: pensar sobre mim, meditar, fazer minha própria comida, levantar de manhã e tomar café sem pressa, fazer meus exercícios físicos, gerar uma intenção positiva para o dia.  

Mas não foi sempre assim. Foi um caminho árduo e trabalhoso. Tenho descoberto que pensar em mim mesma, ficar comigo, enfrentar a solidão e o vazio da vida é também trabalho, trabalho pesado. Tudo depende da perspectiva com que se olha. E sempre há muitas, infinitas perspectivas.

Outro dia me peguei dizendo para minha terapeuta que eu não trabalhava de manhã. E ela me indagou: “Trabalhas em casa, certo?” “Sim, claro, trabalho em casa.” Dar-se tempo para pensar na existência também é trabalho. Quando me dou tempo, me conheço, reflito sobre minhas ações, tento buscar outras alternativas, tento compreender o sentido de tudo que estou vivendo. E, assim, também me torno um ser humano melhor para os outros, para a sociedade. 

Chegar a esse ponto de aceitar ficar em casa à toa, sem uma agenda prévia, sem ter que fazer isso ou aquilo foi uma luta. Sempre fui uma pessoa que cronometrou o tempo. Minhas alunas da universidade ficavam impressionadas porque eu, ao iniciar a aula, entregava o roteiro da aula com o tempo pré-determinado de cada atividade. Até hoje ainda faço isso com meus alunos pequenos. Apesar de já ter me dado conta disso inúmeras vezes, ainda me pego repetindo o mesmo padrão.

Tive que abrir mão, aos poucos, daquilo que pensava ser uma necessidade, mas não era. Correr todo tempo não é necessário. Estar em atividade incessante também não, apesar do mundo inteiro dizer o contrário. “Por que tenho que ter pressa?” Essa pergunta de um amigo ficou martelando na minha mente. Por que temos que ter pressa???  

Apesar da corrida contra o tempo ser uma característica da sociedade em que vivemos, cada ser percebe e age diferente. Cada um tem esse direito, mas nem sempre tem esse poder!

A corrida contra o tempo foi inscrita em mim na minha infância. Meu pai sempre foi obcecado com a rapidez. Na estrada ele não podia ficar pra trás, sempre tinha que ultrapassar todos os carros. Essa era também a velocidade impressa no dia a dia. O tempo das crianças nunca foi considerado. Lembro da tensão que era cada vez que tínhamos que sair de casa. Ele não suportava esperar a família se organizar ou parar na estrada para fazermos xixi. Até hoje ele não gosta dos feriados, porque diz que a produção para. Tempo é dinheiro!!!

“Sim, tempo é dinheiro, pai, mas não é só o dinheiro que movimenta a economia. As paixões, o desejo também movimentam a economia. Se não fosse assim, ninguém venderia nada. E a vida também não é só economia ou o desejo de consumir, não é só paixão instintiva. É desejo de liberdade, de amor, de carinho, de fazer o bem, etc, etc, etc.”   

Correr pode até ser necessário em alguns momentos da vida. Não discordo disso. Mas nem sempre, nem todos os dias, nem todos os meses e, muito menos, a vida toda. Parar, sim, é necessário. Parar o movimento para olhar para si mesmo é absolutamente necessário. Pensar sobre o sentido da vida, pensar porque nos sentimos vazios, é fundamental. Assim como não se respira direito correndo, também não se vive direito correndo.

E eu quero viver, viver intensamente esta vida que me é de direito!!!

Escrito em 12/05/17

SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER NO MUNDO!


“A menos que nos tornemos a mudança que desejamos ver acontecer no mundo, nenhuma mudança jamais acontecerá.” (Arun Gandhi)

Há alguns dias atrás participei de uma roda de conversa sobre educação e consciência, com Juliana Corullón, educadora e terapeuta ocupacional, e a pergunta de todos que estavam lá era como mudar a situação caótica em que nos encontramos nas escolas, no sistema educacional, na sociedade, na política, no mundo.

Vivemos num mundo superficial, massificado, excludente, violento... etc., etc. Ninguém está satisfeito. Todos lá estavam desanimados de alguma maneira, infelizes e sofrendo pelas situações de vida em que estão passando: pais vendo seus filhos serem excluídos e “violentados” nas escolas e professores, como eu, não sabendo lidar com alunos agitados, com baixa capacidade de concentração, indisciplinados, que não sabem ouvir, que não aceitam nossas propostas educativas, egocêntricos, etc., etc. Todos queriam alguma luz, alguma referência para pensar de outra maneira as situações que estão vivendo e encontrar soluções.

Juliana, na sua humildade e paciência, foi nos conduzindo, passo a passo, a uma reflexão que, em síntese, dizia: a mudança começa pela nossa consciência. A mudança começa por cada um de nós, por estarmos conscientes do que estamos fazendo, falando, pensando, sendo.

Segundo Juliana, provavelmente tomando como base o Budismo, tradição espiritual da qual participou como co-fundadora e ex-diretora da Escola Caminho do Meio, em Viamão/RS, os outros são nossos espelhos, ou seja, temos que voltar o olhar para nós. O que vemos no outro está falando de nós e não apenas dele.   

O mundo é nosso espelho, diz o Budismo, é projeção de nossa mente. Noção tão básica, presente de alguma maneira na Psicologia, nos livros de autoajuda e em tantos outros referenciais, mas tão difícil de aplicar. É tão fácil colocar a responsabilidade nos outros, tão cômodo pensar que existe algo que o outro pode fazer para me libertar. E por que ele não faz? Por que as pessoas e o mundo são tão insensíveis, me pergunto e penso que todos, de alguma forma, se perguntavam naquela noite.  

Mas se achamos que é tão fácil para os outros mudarem, por que não começamos conosco? Não é lógico? Ah, mas talvez nós não precisemos mudar, porque já estamos fazendo a nossa parte. Quem tem que fazer a sua parte é o outro. Hum, isso mostra uma falha nossa, que Juliana tão bem soube sinalizar. Falta-nos consciência, consciência de nós mesmos.

O primeiro passo, então, é estar consciente. E estar consciente é estar presente, atento, vigilante às nossas ações, palavras, pensamentos. Como posso querer que o outro me escute e atenda minhas necessidades se eu mesma sequer estou consciente de minhas próprias necessidades? Ou, mesmo que saiba, não me dou conta de que não sou capaz de me abrir para escutar o outro nas suas necessidades? Não me dou conta de que, ao invés de ouvir e escutar, de fato, julgo o outro segundo meu próprio ponto de vista?

E como estar consciente? Juliana começa indicando a prática da meditação diária. Cinco minutos por dia. E se não podemos fazer cinco minutos, dividimos esse tempo durante o dia. A meditação vai nos dar condições de poder responder às situações de forma não-reativa, não-impulsiva.

A meditação, como nos ensina o Budismo, tradição que também estudo e tento a muito custo praticar há alguns anos, vai acalmar a mente, vai nos ajudar a estarmos mais presentes no que estamos fazendo, a notar o que se passa na mente. O que pensamos, o que falamos, o que fazemos? Inspirar e expirar, simplesmente, observando esse movimento, nos ajuda a criar espaço na mente, a não deixar que nossa mente fique entulhada com tantas ocupações e pensamentos que se seguem um ao outro, num fluxo interminável, deixando-nos perdidos e confusos. A meditação vai nos ajudar a clarear a mente, a tirar os véus que obscurecem a nossa percepção da realidade. O que é a realidade? O que é meu, o que é do outro? A meditação traz iluminação, ou seja, coloca luz naquilo que estava escuro, que não era visto e percebido. A meditação traz consciência. 

E Juliana segue nos orientando em outra prática, a de olharmos uns nos olhos dos outros por um minuto. E quando olho para o outro, nos seus olhos, com abertura, vejo que o outro é alguém como eu. O outro é humano, falível como eu. Mas tem qualidades, assim como eu. Está buscando a felicidade e não quer sofrer e eu também. O outro é meu pai, minha mãe, meu filho, meu irmão, meu colega de trabalho, meu chefe, meu companheiro: o outro é aquele que permite que eu seja eu. O que sou sem o outro que me enxerga, que se relaciona comigo? Quem sou eu sozinha no mundo? E se não sou sem o outro, eu sou o outro e ele sou eu. Não há tanta separação entre ele e eu quanto eu penso. Há muito mais igualdades que diferenças. Há muito mais proximidade que distanciamento.

Quando olho nos olhos do outro, eu me encontro comigo. Assim, eu aceito o outro e também a mim mesma. Eu deixo todas as armas de lado, todas as culpas, todos as críticas, todos os julgamentos. Eu quero que ele seja feliz, assim como eu, e que não sofra, assim como não quero sofrer.

Quando dois seres se olham uns nos olhos dos outros diariamente, é possível criar uma cultura de paz. É possível encontrar novas formas de comunicação mais eficazes e menos julgadoras, condenadoras e seletivas.

Este encontro com Juliana, para mim, foi muito especial. E suas palavras, sua presença, sua sabedoria expressa ali naquele momento, foram um presente. Eu encontrei uma pista para sair do desânimo em que estava e para me encontrar comigo.

Eu tomei consciência, não imediatamente, mas depois de alguns dias de muita leitura, reflexão e meditação, que estava responsabilizando todos, menos eu, pelo meu desconforto e mal-estar. Não adianta eu trocar de turma ou sair da escola, ou trocar de parceiro, ou buscar outros amigos. O que é meu vai comigo para onde eu for, com quem eu estiver. 

Por fim, uma luz surgiu na minha mente: eu sou a mudança que quero no mundo. E se a mudança sou eu, se depende de mim, há muito trabalho pela frente. “Keep going”, diria meu mestre Chagdud Tulku Rinpoche. Não posso desperdiçar o tempo com tanta queixa e desânimo. Eu preciso força, coragem e determinação para mudar a mim mesma e, assim, poder pacificar o mundo onde me encontro. A vida humana é curta e preciosa! E eu preciso começar agora mesmo! 

Escrito em 17/07/17

VELOCIDADE E FÚRIA

Grande parte da minha vida tentei ser quem não era. Nunca aceitei as limitações da minha existência e sempre quis ir além. Essa característica de querer transcender os limites pode ser uma qualidade ou um grande defeito, dependendo da intensidade. Não ficar preso às limitações da vida e da própria subjetividade e querer melhorar e se esforçar para isso é positivo, é algo que impulsiona o ser humano. Mas pensar que não há nenhum limite e que tudo pode ser ultrapassado pode virar uma arrogância, um sentimento de superioridade, de estar acima de tudo e de todos. O equilíbrio necessário da balança não é algo fácil de conquistar.

Vivo, desde muito pequena, um conflito entre o que sou, minha subjetividade real e o que gostaria de ser, de me tornar. E parece que a balança sempre pendeu para o ideal. Eu muito cedo quis ser adulta e não vivi minha infância, muito menos a adolescência. Eu quis tanto ser o ideal de mim mesma que me perdi de quem eu era, do ser humano falível que sou.

Quando pensei que sabia muito, que tinha atingido um patamar elevado, percebi que na verdade não sabia nada de nada e menos ainda de mim mesma. Dizem que quanto mais alto estamos, mais forte é a queda.   

Estou vivenciando esta queda. Mas consigo ver algo de belo nisso, mesmo na dor: a beleza da mudança, que sempre me fascinou. Eu sempre admirei pessoas capazes de se transformarem.

E eu quis mudar, mudar muito e num ritmo tão acelerado que me tornei violenta comigo mesma, quase uma suicida.

A mudança não pode ser imposta; ela acontece. Podemos e devemos nos esforçar, criar metas, aspirar, mas não se pode mudar o que não está pronto, o que não amadureceu. Não se pode fazer crescer uma árvore quando não existem todas as causas e condições adequadas para que o crescimento aconteça. Hoje, com a tecnologia, podemos, aparentemente, fazer “milagres”, mas ainda não sabemos as consequências desses novos frutos nascidos de uma ciência que se considera livre de qualquer restrição.

Para mudar, é necessário tempo, o tempo da espera, da paciência, bem como do esforço. A mudança é um processo, uma construção, não um milagre. É necessário caminhar sempre, sabendo o objetivo, mas sem pressa. Não podemos saltar quando recém aprendemos a engatinhar e muito menos voar. O foco tem que ser o processo, não o resultado. Quantas e quantas vezes eu ouvi e li sobre isso na minha vida! Mas nunca aprendi de fato. Eu sempre quis o resultado. Sempre quis estar no final da linha. Sempre no ponto de chegada.

Eu quis trilhar um caminho veloz, muito veloz. Velocidade e fúria parecem ser uma combinação perfeita. “Velozes e furiosos” é o título de um filme que há anos faz sucesso nos cinemas e que já está na sua oitava versão. Filme para crianças e adultos que querem acreditar que podem fazer qualquer peripécia com seus carros velozes sem se machucar, e ainda sair vivos no final.

Na gana de conquistar, de querer dirigir um veículo mais veloz do que era capaz de manobrar (como o ator do filme que acabou morrendo, de verdade), eu topei contra um muro. Há muros que não são tão fáceis de ultrapassar. E é preciso humildade para reconhecer esses limites e saber a hora certa de tentar avançar. Há muitas histórias de alpinistas que perderam a vida por quererem chegar ao topo da montanha a qualquer custo. Há exemplos de sobra, na história, da ganância e suposta supremacia de alguns povos e das tragédias que causaram para a humanidade, para nos ensinar sobre isso.

O que eu pensava ser minha maior qualidade, se tornou meu maior defeito porque eu não soube colocar a pressão certa na hora de acionar o botão. 

Agora só me resta recomeçar. Juntar os pedaços que sobraram dessa queda e tentar me reconstruir. Sem nenhuma pressa, sem nenhuma violência, sem nada de fúria. Só amor e compaixão para comigo. Aceitação, carinho, acolhimento, PACIÊNCIA E HUMILDADE.

Essa noite sonhei que pegava um bebê em meus braços. Eu sorria para ele e fazia cosquinhas na sua barriga. E ele ria, ria um riso encantador, um riso de uma criança feliz. Acordei me sentindo bem. E pensei que ainda há um caminho longo para ele se tornar adulto. E que quero curtir essa fase infantil enquanto ainda posso tê-lo nos meus braços!!!

Escrito em 02/06/17

domingo, 12 de setembro de 2021

PERFEITA ALEGRIA

 Quando falava com um amigo valoroso sobre como certas pessoas testam nossos limites e conseguem nos deixar sem chão, ele, sem pensar muito disse, sabiamente: “Se alguém te coloca nos teus limites e te deixa sem chão é porque, talvez, tua casa não tenha bons alicerces”. Fiquei pensando sobre o quanto isso faz sentido pra mim.

Há alguns anos venho tentando limpar minha casa, a externa, mas também a interior. Já sonhei muitas vezes que estava no meio de muito lixo, que via muito entulho dentro de casa. Ao mesmo tempo eu sentia um mal-estar quando olhava para minha casa e via ela cheia de coisas, cheia de livros na estante que nunca li, cheia de objetos sem uso, cheia de roupas, guardadas nos armários, que eu imaginava um dia usar. Eu sentia uma necessidade de ter “espaço”, uma necessidade de amplidão. 

E só agora, depois de tirar todo excesso, todo lixo, de ver a casa espaçosa, é que, finalmente, veio a oportunidade de colocar coisas novas. Esta ocasião surgiu com a expectativa da visita de uma pessoa muito importante e nobre. Foi assim que eu me senti motivada a completar o trabalho que havia iniciado com a limpeza e o descarte, mas que agora tinha que ser concluído com a renovação de alguns objetos.

O mais incrível é que tudo fluiu naturalmente. No meu aniversário eu ganhei um sofá novo de uma amiga generosa, minha mãe, mais generosa ainda, me deu uma colcha e um tapete, além de reformar todas as cortinas da casa. Quando liguei para o telefone do estofador, ele prontamente disse que viria até minha casa na mesma manhã para fazer um orçamento sem compromisso. Ele veio e já levou as almofadas das minhas cadeiras velhas da cozinha e prometeu trazê-las novas no dia seguinte. Que alegria! É tão bom sentir essa maré de coisas boas, quando tudo dá certo e tudo de bom acontece de modo natural. 

É muito interessante perceber como a realidade externa e interna não estão separadas e o quanto ambas se influenciam mutuamente. Organizar minha casa, descartar, limpar foi um processo que ocorreu também internamente. Foram anos fazendo diferentes formas de terapia, retiros, escrevendo pilhas de diários para tentar entender a causa de tanto sofrimento.  Foi um trabalho exaustivo de tentar me libertar dos apegos ao passado, dos dramas da infância, da carência imobilizadora, do medo do abandono e da rejeição, do perfeccionismo.  

Claro que o trabalho nunca está terminado. O tempo passa e como tudo envelhece e chega no limite de validade, é preciso novamente pintar, trocar as cortinas velhas, o piso que trinca, adquirir coisas novas.  Renovar a casa e a vida é não só um trabalho sempre bem-vindo, mas necessário. Mas existem coisas que não envelhecem e a beleza da casa não está tanto nos objetos, mas na harmonia do ambiente e na organização. 

Marie Kondo, mestre da organização de casas e autora do livro “A mágica da arrumação” diz que uma vez entendidos os princípios básicos da organização, a casa jamais voltará a ficar bagunçada. Ou seja, uma vez que não guardamos mais coisas que não tem uso, que não adquirimos coisas que não vamos precisar ou que colocamos cada coisa no seu lugar, entre alguns dos princípios mais importantes, a casa se manterá organizada. E isto serve para a vida.

Quando olho para minha casa hoje, vejo o lindo trabalho que fiz. É uma casa simples, não tem nada de caro, nem extravagante, não tem nenhum móvel sob medida. Mas é uma casa limpa, clara, espaçosa, com harmonia de cores, de detalhes, com peças que identificam o morador. É a minha casa, que eu fiz, do jeito que eu pude, que eu quis, com meu próprio esforço.    

Quando olho para dentro de mim hoje, vejo a beleza que não era capaz de ver. Era tanto lixo que eu acumulava internamente, tantas ideias errôneas sobre a vida, sobre as pessoas, sobre mim mesma que eu não conseguia ser feliz. E eu culpava os outros, pensava que eram os outros que me faziam sofrer.   

Mas eu quis muito me libertar de tudo isso, quis muito parar de culpar os outros e tentar olhar pra dentro de mim, para minha própria casa. E não fiz isso sozinha, é claro, precisei de muita ajuda e busquei ajuda de diferentes maneiras. Mas o principal esforço foi meu. O principal motor foi o desejo de me libertar do sofrimento, o desejo de ser feliz e o desejo de não causar mal aos outros.

Hoje posso dizer que minha casa tem alicerces. E ter alicerces não significa que as coisas vão ser perfeitas na minha vida, que não vou errar mais, que não vou ter obstáculos, mas significa saber que não importa o que aconteça externamente, existe algo dentro de mim que não pode ser destruído, não pode ser bagunçado. Essa confiança, essa paz interior é algo que advém, como disse um dos meus professores espirituais, da certeza de que eu fiz o melhor que pude, o melhor de mim mesma.

Meu amigo valoroso, depois de falar sobre os alicerces da casa, contou a história de São Francisco de Assis sobre a perfeita alegria. Eu li a história e o que ficou para mim, numa livre interpretação no contexto da conversa que estávamos tendo é que a perfeita alegria é sermos capazes de estarmos em paz diante das adversidades da vida, porque sabemos quem somos e porque nos sentimos confortáveis com nossa casa, com nosso lar, com aquilo que construímos para nós.

Minha filha, que admiro muito e com quem sempre aprendo algo novo, me disse recentemente que seu lema atual é “isto não é um problema”. O que quer dizer que diante de tantos graves problemas no mundo de hoje, esses pequenos problemas pessoais são ínfimos e não deveriam nos tirar o sono, nem nos inquietar tanto a ponto de sofrermos demasiadamente por eles. Temos que ter dignidade e força para enfrentar os obstáculos com a cabeça erguida, sabendo que eles nos atravessarão, mas não levaram aquilo que dentro de nós é indestrutível. Se mantivermos nossos alicerces firmes, talvez poderemos ser capazes de trazer felicidade não apenas a nós mesmos, mas também a todos os seres.

Texto escrito em 23/10/2017. 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

Depois de nove anos de um relacionamento feliz, me vejo sozinha. Sozinha por opção, pois fui eu quem quis a separação. Ainda me pergunto o porquê da separação e cada vez encontro razões diferentes. Penso que a maior razão é que eu queria/quero descobrir quem eu sou, sozinha. Quero ser independente!?

Como boa pisciana sempre me misturei com meus parceiros de relacionamentos. Gostava do que eles gostavam, fazia o que eles faziam. Fiz muita terapia para tentar encontrar quem eu era, tentando me “separar” dos meus companheiros, porque eu me “identificava” demais com eles. Durante muitos anos, o título dos meus diários era: o que “eu” quero?

Saber o que se quer nem sempre é fácil. Nossos “quereres” (existe isso?) estão sempre muito misturados como os desejos dos outros, da cultura, da sociedade, da família, dos parceiros de trabalho, dos parceiros amorosos.

E eu, o que quero? O que sou? O que sou sem a referência do outro? É possível ser sem o outro, sem alguém que me olhe?

Estar com alguém é ter sempre alguém que nos olha e que nos diz algo de nós. E, sem perceber, nos moldamos a esse olhar, a essa referência. Comigo foi assim, me moldei a uma referência criada não pelo outro, meu companheiro, mas pela relação. E, isso, sem dúvida alguma, reduz possibilidades, fecha, limita.

Por outro lado, é muito confortável e seguro. Criamos uma forma de relacionamento onde conseguimos negociar e chegamos a um ponto em que sabíamos exatamente até onde poderíamos ir, o que deveríamos ceder, o que poderíamos falar, o que silenciar. Até que essa forma segura e confortável cansou, se exauriu, perdeu o sentido. Comecei a perceber que eu não queria mais fazer certas coisas para manter o relacionamento. E por que tinha que manter? Ah, porque eu era quem nunca conseguia manter as coisas, era instável e queria um relacionamento estável. E porque não queria ficar sozinha. 

A “deixa” da separação veio quando, um dia, eu percebi que podia ficar sozinha. Por que não? Depois que essa ideia surgiu, não teve mais volta. Quando criamos uma possibilidade na mente, a concretização dela é só uma questão de tempo. Para mim foram semanas.

No começo, os primeiros seis meses, não consegui estar sozinha. Arrumei uma série de atividades, constituí novos grupos de amizades, me ocupei de várias formas. Não havia um dia sequer em que não estivesse envolvida com algo. Mas este tempo passou e, aos poucos, fui me aquietando, aquietando minha mente.

Minha mente estava ansiando por calma, por se conhecer, por estar consigo mesma. Quando a mente se acalmou, as atividades cessaram, os amigos se afastaram e o processo iniciou.

Nada como havia imaginado. Dor profunda, um abismo, altos e baixos. Olhar para si mesmo não é nada agradável, nem prazeroso. É difícil, duro, sofrido. Todas as certezas vão por água abaixo. Não há onde se segurar. Mas é preciso seguir! Como diria meu professor: Keep going! Vá em frente, siga, não pare. Tudo é impermanente, tudo vai passar. Calma!!! O “calmo permanecer”!

E assim estou indo. Estar sozinha me permite olhar para mim independentemente dos outros, dos outros olhares, de alguém que me aprove, ou desaprove. De alguém que me queira, que não me queira. De alguém que pense algo de mim ou que se sinta indiferente a mim. De alguém que me ame ou de alguém que me odeie. Eu existo, não porque alguém externo me reconhece, mas porque eu me sinto.

Este tem sido um GRANDE desafio para mim. A todo momento é como se faltasse algo, faltasse alguém. Anseio a cada instante por alguém que me veja, me toque, diga algo pra mim. Mas não há ninguém, só eu.

Então, é preciso desenvolver aceitação, amor e compaixão incondicional por mim mesma, pelo que sou, pelo que tenho, pelas minhas qualidades e defeitos. Não há ninguém aqui que pode me dar isso, apenas eu.

Independência ou morte!!!


Texto escrito em 07/09/16, mas que ainda faz muito sentido hoje.

 

domingo, 5 de setembro de 2021

RELAÇÃO POTÊNCIA


Me ver de modo profundo

Ver o que não conseguia ver sozinha

Ver por meio do espelho da relação

Amar para além da razão

Sentir, me entregar

Me jogar no escuro, no desconhecido

Me deixar apaixonar

Me perder pra me encontrar

Viver uma grande aventura

Ser desejada

Estar com alguém que não se reduz a um rótulo

Estar com alguém que não pode ser conhecido

Estar com alguém que é sempre mais do que consigo nomear

Estar com um mutante

Olhar para a doença, velhice e morte

Me abrir e me ferir, e me ferir de novo e me abrir de novo

Sentir a dor das feridas

Enlouquecer, perder o controle

Romper com o conhecido

Desabar

Cair e me erguer

Olhar para a realidade

Buscar o desejo

Sonhar, fantasiar

Sentir a dor da partida e a alegria do reencontro

Lidar com o que é estranho

Me chocar com o que é diferente de mim

Me desafiar

Me abrir

Estar fascinada

Amar e ser amada

 

Em 05/09/21

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

INFERNO

De novo aqui

É como um sonho que se repete toda a noite

Pesadelo

 

Ouço vozes ao longe:

“Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo!”

Mas não as sinto

Não reconheço

Palavras ao vento!

 

Estou só!

Há pessoas...

Mas estou só

 

Eu tento falar

Me fazer ouvir

Mas não há eco

 

A voz não sai

Tem algo engasgado

A voz não sai

 

Eu faço força

O grito sai

Mas não há eco

 

Eu espero

Mas o tempo é infinito

Não há ninguém agora

Só o vazio

 

Eu sinto frio

Pés e mãos congelam

Meu corpo treme e se contrai

Meu peito aperta

Não tenho ar

Eu vou morrer aqui!

“Por favor, me tira daqui!”

 

Alguém chega

E diz alguma coisa qualquer

Que não compreendo, que não aceito

 

E eu corro

Corro tão rápido

Quanto uma lebre assustada

Que se afasta quilômetros em poucos segundos

Subo e desço morros

Quero estar longe, bem longe

 

Me canso e durmo

 

Quando acordo

Estou no mesmo lugar

Eu dou voltas

Saltito

Faço giros de 360 graus

E retorno

Sempre ao mesmo lugar

 

Me sinto encurralada

Sem saída

Apertada

Sufocada

Alguém me agarra forte

Me comprime

 

“Socorro!” – eu grito

“Me solta! Me solta!”

Alguém ouve

Mas não me socorre!

 

“Se quiser sair vai ter que me matar!” – ele diz

Mas eu não posso matar

Eu vou morrer aqui

 

Matar ou morrer?

Certo e errado!

Dilema

Dilacerante

Cortante

Insuportável

Sofrimento insuportável

Pânico

Medo

Fim...

 

Vazio

Esquecimento

Cair no esquecimento

Frio

Escuridão

 

Silêncio

Tempo

Tempo

Tempo

 

E mais tempo

 

Uma fagulha se acende

E brilha na escuridão do vazio

Ouço sons

Mantras

Alguém reza por mim

 

Pela primeira vez

Meu coração se acalma

Respiro

“Inspira, exala!” – alguém diz

Eu inspiro, exalo

Me sinto segura

Tranquila

Em paz, finalmente

 

Consigo abrir os olhos

Renasci...


Em 17/09/20


O QUE EU GOSTO EM TI

 O QUE EU GOSTO EM TI...

 

O que eu gosto em ti é esse teu jeito espontâneo de ser

O que eu gosto em ti é essa agressividade escondida, esse macho alfa presente/ausente

O que eu gosto em ti é tua delicadeza

O que eu gosto em ti é tua simplicidade

O que eu gosto em ti é tua malandragem

O que eu gosto em ti é tua liberdade

O que eu gosto em ti é teu lado feminino

O que eu gosto em ti é tua sensualidade

O que eu gosto em ti é tua generosidade

O que eu gosto em ti é tua elegância

O que eu gosto em ti é teu completo relaxamento

O que eu gosto em ti é teu otimismo

O que eu gosto em ti é tua amorosidade

O que eu gosto em ti é tua proximidade

O que eu gosto em ti é tua graça e leveza

O que eu gosto em ti é teu lado quase animal

O que eu gosto em ti é tua sujeira

O que eu gosto em ti é a vida que em ti se revela pra mim...

A vida fluindo com todas as contradições

Com toda felicidade e todo sofrimento

Tudo junto, misturado, bagunçado...

Não há nada no lugar em ti...

O que me deixa completamente fora de mim...

 

Em 29/08/20

É PERMITIDO ENVELHECER

Hoje é o primeiro dia da licença de três meses que antecede a minha aposentadoria. É muito bom poder realizar a minha rotina antiga - medita...