Muitas
mulheres, hoje, ainda pensam que para “ter um lugar no mundo”, é necessário ter
um homem ao lado. Quando estão “sem homem”, dizem que estão sozinhas.
Chiou, a protagonista
do filme, já sem esperança de retornar à sua casa e totalmente desiludida,
encontra um sentido para sua vida ao cruzar com um homem, o “presidente”, que
lhe oferece um doce e diz a ela que quer ver um sorriso nos seus lábios da
próxima vez em que se encontrarem.
Para essa
menina de seis anos, esse é um momento mágico, em que percebe que ser gueixa
lhe traria a possibilidade de estar com o presidente e assim, “ter um lugar no
mundo”. Toda sua vida, a partir desse momento, é direcionada para se transformar
em gueixa e reencontrar aquele homem. Ela pega todo o dinheiro que dispõe, que
daria para alimentá-la por um mês, e oferece no templo, pedindo a seus deuses
que a ajudem a realizar seu desejo.
Muitas de
nós ainda pensam que o ideal de vida de uma mulher é encontrar um grande amor,
um homem que a escolha e que possa provê-la, protegê-la, enfim, dar-lhe
segurança por toda vida. Somos educadas para casarmos e constituirmos uma
família. Pensamos, incrivelmente, que essa é a nossa única possibilidade, a
nossa única escolha. Quando não conseguimos atingir esse ideal, quando não
encontramos a pessoa certa, ou quando o namoro ou o casamento se desfaz,
ficamos perdidas, desesperadas, pensando muitas vezes que a vida não tem mais
sentido.
Chiou, no
filme, foi vendida pelos pais, junto com a irmã, às donas do “okaia”, o lugar
onde as gueixas moravam e viviam toda a sua vida, sem a liberdade de ir e vir.
Quantas de nós ainda são “vendidas” por nossos pais e mães quando eles nos
fazem crer que precisamos encontrar um marido para sair de casa ou quando nos
dizem que temos que encontrar um cara “bem de vida”, que tenha condições de nos
dar, pelo menos, aquilo que eles nos deram?
Durante a
guerra, Chiou, já uma mulher, deixa o “okaia” e a vida de gueixa e vai trabalhar
numa fábrica de quimonos. Todo esse tempo em que passou na fábrica, para ela,
foi um tempo morto, um tempo sem vida, um tempo sem sentido. Embora tivesse
liberdade para ser quem quisesse, para se apaixonar, para viver uma outra vida,
seu único valor, seu único possível
era ser gueixa e esperar até que um homem daqueles que um dia a disputaram
pudesse ser o seu “danna”, ou seja, o seu protetor, o seu mantenedor.
Assim como
as gueixas, muitas de nós ainda vivem suas vidas à espera de um “danna”, um homem
que possa nos dar um lugar no mundo. Dessa perspectiva, todas as outras
possibilidades são inexistentes, embora estejam ao alcance de nós. Podemos
fazer muitas outras coisas, podemos ser felizes de muitas outras maneiras, mas
não enxergamos isso, porque nossas mentes estão à espera, presas numa fantasia
que criamos para nós mesmas.
Quando, da
nossa perspectiva, temos a “sorte” de encontrarmos um homem, acreditamos, como
as gueixas, que temos que fazer tudo para que ele fique conosco e, assim,
deixamos de ser nós mesmas, para ser a namorada de, a esposa de, a escolhida
por.
Vivemos
nossas vidas como gueixas treinadas para agradar os homens, para servi-los,
para lhes dar prazer e muitas vezes negamos nossa própria vida, nossos valores,
nossas escolhas, nossos sonhos, nossos prazeres. Abrimos mão de um conjunto de
coisas que poderiam ser valiosas pra nós, como nossas amizades, nosso gosto
pelo trabalho, nosso amor por nós mesmas e passamos a ser gueixas na vida e na
relação com os homens.
As
“memórias de uma gueixa” não são apenas as memórias de uma japonesa do séc. XX.
São, sim, as memórias de muitas de nós, mulheres do presente, que ainda não
perceberam que os tempos mudaram e que as mulheres hoje não precisam ser
gueixas para terem um lugar no mundo.
Texto escrito em abril de 2006.
Adorei o texto, nos faz refletir. Realmente as meninas são criadas pensando que serão felizes quando estiverem num relacionamento, quando na verdade podemos ser felizes por nos mesmas, que somos capaz de fazer tudo sozinhas. e o relacionamento seria um complemento e nunca a saída.
ResponderExcluirum abraço, bjos Fabi
Excelente! Feliz por vc ser uma buscadora de si mesma sem precisar ter ou querer para ser. Interessante também pois serve para eu como homem, procurando um lugar à luz, de paz e harmonia. Obrigada por ter permitido conhecer vc, especial ser humano e uma bela e incansável buscadora.
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