domingo, 22 de agosto de 2021

TAPETE VERMELHO


A primeira vez em que a vi, ela andava sobre um tapete vermelho. Estava linda, sorridente, seus cabelos pareciam cachos. Meus olhos enxergaram uma rainha. Ela não era mais tão jovem, sua maturidade estava estampada no seu rosto, na sua postura, na maneira como caminhava. Seu andar era nobre e elegante. Ela vestia uma saia longa, floreada, com babados brancos e uma blusa e um colete bordado por cima. Usava uma bolsa, de couro cru, trançado, transpassada pelo tórax. Fiquei embriagado em ver aquela cena que se passava como um filme em câmera lenta. Aqueles poucos segundos em que ela desfilou, para mim, pareceram horas, até que, de repente, ela entrou numa sala e sumiu diante de meus olhos.

Naquele dia voltei para casa e não consegui dormir, imaginando aquela mulher. Não lembrava de ter sentido isso antes, muito menos por uma mulher mais velha. Comecei a imaginar seu corpo, que não era como os que eu conhecia. A pele era branca, macia e aveludada. Os seios eram fartos e flácidos, e os mamilos rosados me convidavam a tocá-los com a boca. Os pêlos, loiros, brilhavam com a luminosidade. Ela estava ali, parada, como se pousasse nua, para mim. Eu era o artista e ela a musa inspiradora. Meu corpo gritou de tanta excitação e dormi o sono dos deuses.

No dia seguinte despertei determinado a encontrar aquela mulher. Tinha que descobrir quem era, o que fazia e se eu teria alguma chance de me aproximar. Fui novamente ao prédio onde a tinha visto. Percorri todas as salas de aula, olhando discretamente pelos vidros das portas. Quando já estava desistindo, a enxerguei pelo vidro. Ela estava de pé, falando sobre arte, algo que não consegui entender perfeitamente. Mas consegui ouvir sua voz... fina, doce, delicada. Me informei na secretaria sobre o curso e consegui descobrir o seu nome. Clara. Era o nome perfeito para ela. Clara... como a luz, tudo que ela parecia simbolizar para mim. Por um breve instante, senti uma distância entre nós, algo impossível, mas foi apenas um pensamento passageiro. Meu desejo era tão forte que sentia que nada seria um obstáculo para mim.  Mas como faria para me aproximar?

Durante uma semana tentei seguir seus passos. Atrasei-me em várias aulas para tentar observá-la e descobrir um meio de chegar nela. Observei-a por vários dias, de longe, e a vi conversando, comendo, caminhando. Aos poucos fui me apaixonando, uma paixão louca, arrebatadora, algo além do meu controle. Até que um dia, eu consegui me aproximar.

Era um final de tarde e eu havia chegado mais cedo. Desci do ônibus e caminhei em direção ao prédio onde teria aula. Quando me aproximei do pátio central do campus, lá estava ela, sentada num banquinho, em posição de meditação, de olhos fechados. O sol batia em seu rosto e ela parecia absorver toda aquela energia. Estava radiante, iluminada. Não sei o que deu em mim, não sei de onde tirei tanta coragem. Simplesmente me aproximei e sentei ao seu lado. Percebi que ela sentiu a minha presença, mas não se moveu. Ficamos ali, quietos, sentados um ao lado do outro, até o sol se por. Aqueles minutos, para mim, foram eternos. 

Ela se levantou, mas antes de ir embora, olhou pra mim e meu deu um sorriso. Quis dizer algo, mas não consegui emitir som algum. Ela saiu e eu fiquei olhando, me sentindo quase como um bobo, de boca aberta, olhando ela desaparecer novamente. Senti raiva de mim. Eu poderia ter dito algo, ter escrito um bilhete, deixado meu telefone, mas nada. Que idiota, pensei.

Na semana seguinte, contei o acontecido para um grande amigo e ele agiu como um pai, me passando um sermão que tive que engolir a seco. “Você está louco, cara? Uma professora da universidade jamais vai dar bola pra um aluno. Ela pode até perder o emprego. Desista disso, tu achas que uma mulher como ela vai olhar pra um guri como tu? Te enxerga, cara! Além disso, que graça tem ficar com uma mulher mais velha? Com certeza, com quarenta anos, ela nem goza mais. O que você quer com uma quarentona, toda caída? E pior ainda, vai que tu realmente começa a amar essa mulher, já pensou o problemão? E se ela tiver filhos, tu ganha ela e, de quebra, um kit-família. E se for casada? Olha onde tu tá te metendo? E o teu futuro? Tira isso da tua cabeça.” Aquele papo realmente me deixou desanimado. Saí da conversa desiludido, pensando seriamente no que ele tinha falado. Vi que realmente não tinha nenhuma chance e que talvez não valesse a pena.

Mas depois de um tempo, o desejo voltou e quase esqueci o que ele havia me dito. Fui de novo atrás dela e acabei conseguindo o seu e-mail. Me cadastrei no hotmail com o título “leia por favor...eu te amo” e enviei uma mensagem pra ela que dizia:

 

“Te amo demais!

Preciso dizer o quanto amo você!

Às vezes você passa e eu fico te olhando, morro de medo de falar contigo e você me rejeitar.

Espero que você pelo menos se interesse em ler o texto que fiz, nele pelo menos eu digo quem sou. MAS POR FAVOR, NÃO FIQUEI COM RAIVA DE MIM!”

 

Em anexo coloquei um texto em que contava tudo que tinha acontecido até então e, por fim, dizia meu nome e telefone. Todo dia abria meus e-mails várias vezes ao dia, na expectativa de que ela me respondesse. Esperei a resposta por várias semanas, mas não obtive resposta. Nunca soube se ela leu meu e-mail e se conseguiu abrir o anexo.

Passaram-se alguns meses e eu, aos poucos, fui tirando-a da minha cabeça. Com o tempo, vi que era tudo uma fantasia e que eu devia ter estado louco em pensar que podia ter um relacionamento com uma mulher muito mais velha. O semestre terminou e logo em seguida arrumei uma namorada da minha idade.

No dia da matrícula, peguei a lista de disciplinas e encontrei algumas disciplinas de outros cursos, que serviriam como eletivas. Entre elas, encontrei uma disciplina do Departamento de Artes – Arte contemporânea - e, sem pensar muito, fiz a matrícula. O coordenador, que me conhecia, perguntou se eu sabia do que tratava a disciplina e eu disse que não, mas que estava curioso para saber. Acho que ele não entendeu, mas também não questionou mais.

No primeiro dia do semestre, fui para a aula eufórico. Era o dia da tal disciplina eletiva. Cheguei cedo e me sentei bem atrás. Começaram a chegar os colegas, a maioria mulheres. Fui ficando tenso, meu coração batia forte e minhas mãos suavam. Passados alguns minutos do início da aula, uma moça da secretaria veio avisar que a professora se atrasara porque o pneu do seu carro havia furado, mas que ela chegaria para a aula. Como estava muito ansioso, saí da sala e fui tomar um café.

No corredor, alguns alunos estavam estendendo um tapete vermelho, o mesmo tapete vermelho em que “a” vi caminhando, como uma rainha, pela primeira vez. Perguntei aos alunos o que era aquilo e eles me responderam que estavam organizando um evento formal, de uma disciplina sobre cerimonial, que tinham cursado nas férias. Aquilo me impressionou. Era tanta coincidência! Andei sobre o tapete com a sensação de que a encontraria naquela noite.

Ao retornar para a sala, à medida em que me aproximava, ouvi a voz da professora de longe e soube que ela havia chegado. Não consegui reconhecer se era a voz de Clara. Quando cheguei, tive uma surpresa. A professora não era a mesma... mas era tão ou mais linda que ela. O que aconteceu, não sei. Acho que foi o tapete vermelho.


Texto escrito em junho de 2007.

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