A primeira vez em que a vi, ela andava
sobre um tapete vermelho. Estava linda, sorridente, seus cabelos pareciam
cachos. Meus olhos enxergaram uma rainha. Ela não era mais tão jovem, sua
maturidade estava estampada no seu rosto, na sua postura, na maneira como
caminhava. Seu andar era nobre e elegante. Ela vestia uma saia longa, floreada,
com babados brancos e uma blusa e um colete bordado por cima. Usava uma bolsa,
de couro cru, trançado, transpassada pelo tórax. Fiquei embriagado em ver aquela
cena que se passava como um filme em câmera lenta. Aqueles poucos segundos em
que ela desfilou, para mim, pareceram horas, até que, de repente, ela entrou
numa sala e sumiu diante de meus olhos.
Naquele dia voltei para casa e não
consegui dormir, imaginando aquela mulher. Não lembrava de ter sentido isso
antes, muito menos por uma mulher mais velha. Comecei a imaginar seu corpo, que
não era como os que eu conhecia. A pele era branca, macia e aveludada. Os seios
eram fartos e flácidos, e os mamilos rosados me convidavam a tocá-los com a
boca. Os pêlos, loiros, brilhavam com a luminosidade. Ela estava ali, parada,
como se pousasse nua, para mim. Eu era o artista e ela a musa inspiradora. Meu
corpo gritou de tanta excitação e dormi o sono dos deuses.
No dia seguinte despertei determinado
a encontrar aquela mulher. Tinha que descobrir quem era, o que fazia e se eu
teria alguma chance de me aproximar. Fui novamente ao prédio onde a tinha
visto. Percorri todas as salas de aula, olhando discretamente pelos vidros das
portas. Quando já estava desistindo, a enxerguei pelo vidro. Ela estava de pé,
falando sobre arte, algo que não consegui entender perfeitamente. Mas consegui
ouvir sua voz... fina, doce, delicada. Me informei na secretaria sobre o curso
e consegui descobrir o seu nome. Clara. Era o nome perfeito para ela. Clara...
como a luz, tudo que ela parecia simbolizar para mim. Por um breve instante,
senti uma distância entre nós, algo impossível, mas foi apenas um pensamento
passageiro. Meu desejo era tão forte que sentia que nada seria um obstáculo
para mim. Mas como faria para me
aproximar?
Durante uma semana tentei seguir seus
passos. Atrasei-me em várias aulas para tentar observá-la e descobrir um meio
de chegar nela. Observei-a por vários dias, de longe, e a vi conversando,
comendo, caminhando. Aos poucos fui me apaixonando, uma paixão louca,
arrebatadora, algo além do meu controle. Até que um dia, eu consegui me
aproximar.
Era um final de tarde e eu havia chegado mais cedo. Desci do ônibus e caminhei em direção ao prédio onde teria aula. Quando me aproximei do pátio central do campus, lá estava ela, sentada num banquinho, em posição de meditação, de olhos fechados. O sol batia em seu rosto e ela parecia absorver toda aquela energia. Estava radiante, iluminada. Não sei o que deu em mim, não sei de onde tirei tanta coragem. Simplesmente me aproximei e sentei ao seu lado. Percebi que ela sentiu a minha presença, mas não se moveu. Ficamos ali, quietos, sentados um ao lado do outro, até o sol se por. Aqueles minutos, para mim, foram eternos.
Ela se levantou, mas antes de ir
embora, olhou pra mim e meu deu um sorriso. Quis dizer algo, mas não consegui
emitir som algum. Ela saiu e eu fiquei olhando, me sentindo quase como um bobo,
de boca aberta, olhando ela desaparecer novamente. Senti raiva de mim. Eu
poderia ter dito algo, ter escrito um bilhete, deixado meu telefone, mas nada.
Que idiota, pensei.
Na semana seguinte, contei o
acontecido para um grande amigo e ele agiu como um pai, me passando um sermão
que tive que engolir a seco. “Você está louco, cara? Uma professora da
universidade jamais vai dar bola pra um aluno. Ela pode até perder o emprego.
Desista disso, tu achas que uma mulher como ela vai olhar pra um guri como tu?
Te enxerga, cara! Além disso, que graça tem ficar com uma mulher mais velha?
Com certeza, com quarenta anos, ela nem goza mais. O que você quer com uma
quarentona, toda caída? E pior ainda, vai que tu realmente começa a amar essa
mulher, já pensou o problemão? E se ela tiver filhos, tu ganha ela e, de
quebra, um kit-família. E se for casada? Olha onde tu tá te metendo? E o teu
futuro? Tira isso da tua cabeça.” Aquele papo realmente me deixou desanimado.
Saí da conversa desiludido, pensando seriamente no que ele tinha falado. Vi que
realmente não tinha nenhuma chance e que talvez não valesse a pena.
Mas depois de um tempo, o desejo
voltou e quase esqueci o que ele havia me dito. Fui de novo atrás dela e acabei
conseguindo o seu e-mail. Me cadastrei no hotmail com o título “leia por
favor...eu te amo” e enviei uma mensagem pra ela que dizia:
“Te amo demais!
Preciso dizer o quanto amo você!
Às vezes você passa e eu fico te olhando, morro de medo
de falar contigo e você me rejeitar.
Espero que você pelo menos se interesse em ler o texto
que fiz, nele pelo menos eu digo quem sou. MAS POR FAVOR, NÃO FIQUEI COM RAIVA
DE MIM!”
Em anexo coloquei um texto em que
contava tudo que tinha acontecido até então e, por fim, dizia meu nome e
telefone. Todo dia abria meus e-mails várias vezes ao dia, na expectativa de
que ela me respondesse. Esperei a resposta por várias semanas, mas não obtive
resposta. Nunca soube se ela leu meu e-mail e se conseguiu abrir o anexo.
Passaram-se alguns meses e eu, aos
poucos, fui tirando-a da minha cabeça. Com o tempo, vi que era tudo uma
fantasia e que eu devia ter estado louco em pensar que podia ter um
relacionamento com uma mulher muito mais velha. O semestre terminou e logo em
seguida arrumei uma namorada da minha idade.
No dia da matrícula, peguei a lista de
disciplinas e encontrei algumas disciplinas de outros cursos, que serviriam
como eletivas. Entre elas, encontrei uma disciplina do Departamento de Artes –
Arte contemporânea - e, sem pensar muito, fiz a matrícula. O coordenador, que
me conhecia, perguntou se eu sabia do que tratava a disciplina e eu disse que
não, mas que estava curioso para saber. Acho que ele não entendeu, mas também
não questionou mais.
No primeiro dia do semestre, fui para
a aula eufórico. Era o dia da tal disciplina eletiva. Cheguei cedo e me sentei
bem atrás. Começaram a chegar os colegas, a maioria mulheres. Fui ficando
tenso, meu coração batia forte e minhas mãos suavam. Passados alguns minutos do
início da aula, uma moça da secretaria veio avisar que a professora se atrasara
porque o pneu do seu carro havia furado, mas que ela chegaria para a aula. Como
estava muito ansioso, saí da sala e fui tomar um café.
No corredor, alguns alunos estavam
estendendo um tapete vermelho, o mesmo tapete vermelho em que “a” vi
caminhando, como uma rainha, pela primeira vez. Perguntei aos alunos o que era
aquilo e eles me responderam que estavam organizando um evento formal, de uma
disciplina sobre cerimonial, que tinham cursado nas férias. Aquilo me
impressionou. Era tanta coincidência! Andei sobre o tapete com a sensação de
que a encontraria naquela noite.
Ao retornar para a sala, à medida em que me aproximava,
ouvi a voz da professora de longe e soube que ela havia chegado. Não consegui
reconhecer se era a voz de Clara. Quando cheguei, tive uma surpresa. A
professora não era a mesma... mas era tão ou mais linda que ela. O que
aconteceu, não sei. Acho que foi o tapete vermelho.
Texto escrito em junho de 2007.
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