Me sinto na contramão do mundo, lutando para dar passos quando há uma multidão que vem na minha direção e que me impede de andar. Todo início de ano, me vejo querendo trabalhar mais para ganhar mais. Ao mesmo tempo, quando o trabalho chega e começa a correria, percebo que não é isso que quero realmente. Não sou preguiçosa e muito menos avessa ao trabalho. Adoro estudar, adoro dar aulas, adoro pensar no que vou levar para meus alunos, gosto de ler o que eles escrevem. Mas quando tenho muito trabalho, não consigo fazer o que gosto de fazer, pelo prazer de fazer, e o trabalho, muitas vezes, se transforma em sofrimento.
Já tentei me exigir menos,
fazer menos e não me cobrar tanto, mas só isso não alivia o peso que carrego.
Meu ritmo é singular, gosto de sentar e me entregar ao que estou fazendo, gosto
de curtir as leituras, de imaginar minha sala de aula. Quando estou pressionada
pelo tempo e pelo volume de tarefas, me sinto oprimida e todo meu esforço se
torna em vão. Muitas vezes, me vejo indo para as aulas com a expressão dura,
cansada, me espremendo para dar um sorriso. Como posso educar assim? Como posso
ser exemplo se estou correndo para dar conta de tarefas? Não gosto que meus
alunos me vejam assim, como um ser humano atormentado e confuso.
Alguém
pode dizer: a vida é assim, todos precisamos de dinheiro. Mas não me convenço.
Quero tempo!!! Quero tempo pra acordar devagar de manhã, fazer minha meditação
e olhar pra minha mente. Quero tempo pra pensar naquilo que é essencial na
minha vida, pra conversar com as pessoas ao meu redor, pra cuidá-las, pra
dar-lhes atenção. Quero tempo pra cuidar, eu mesma, da minha casa, das roupas,
da comida que como.
Quando
olho ao meu redor, vejo pessoas assoberbadas de trabalho, contando os minutos
no relógio. Pais que trabalham para dar mais presentes aos filhos e que,
contraditoriamente, não têm tempo para dar-lhes atenção e carinho. Professores
ansiosos por darem conta do conhecimento disponível e por produzir novos conhecimentos
quando, muitas vezes, sabem que correm atrás de algo que lhes vai sempre
escapar.
A busca desenfreada por
atualização permanente virou uma obsessão e, ao mesmo tempo, uma prisão para
muitas pessoas. Dentro de muitas instituições, o ser humano vale não pelo que
é, mas pelo que conhece, por aquilo que lê, pelo volume de publicações que
acumulou ou pelo número de títulos acadêmicos.
Para outras pessoas, a felicidade e o sucesso dependem daquilo que têm,
do quanto conseguiram acumular ao longo de suas vidas.
Às
vezes, mesmo querendo lutar para fazer um caminho diferente, sou capturada por
esses desejos e valores. Nesses momentos, me sinto como se me perdesse de mim
mesma e não me reconhecesse mais. Um outro eu se instala e começa a atuar no
meu corpo e na minha mente à revelia de mim.
Muitas vezes, poderia me
sentir feliz com aquilo que tenho, mas quando vejo, por exemplo, que minha
colega de trabalho tem o carro do ano e o meu é um modelo 2000 e não tenho
perspectiva de trocá-lo, sinto vontade de trabalhar mais para ter um carro
melhor. Minha felicidade, então, passa a ser buscada a partir de parâmetros que
não são os meus de verdade. Quando olho para o carro da minha colega, esqueço
de olhar pra dentro de mim, para o que realmente tem valor na minha vida. No
fundo, todos estamos sofrendo por acreditarmos, mesmo que momentaneamente, que
a felicidade pode estar em coisas como um carro ou um título acadêmico.
A realidade depende de
nossa percepção. A realidade não é dada, mas é construída. A realidade não é
algo objetivo, que independe de nós. Então, por que criamos muitas vezes uma
realidade tão aprisionante para nós mesmos? Qual é o sentido desse movimento
incessante em busca de coisas tão provisórias? Para onde estamos indo? Aonde
queremos chegar?
É possível viver e ser feliz sem
correr para ganhar tanto dinheiro? Sim, é possível. É possível viver sem
almejar ter uma casa própria ou um carro novo. É possível ser feliz sem ter
tanto, sem ter tantas roupas, tantos sapatos, tantos celulares e computadores.
É possível compartilhar a vida com os outros, dar e receber, e ser feliz.
A riqueza e a felicidade parecem estar onde estão a generosidade e a simplicidade. Quando unimos nossas pequenas quantidades, há sempre abundância. A riqueza não é, nem pode ser, propriedade privada. A riqueza está disponível para todos, se nos abrimos para dar e receber. A realidade pode ser e será diferente se conseguirmos olhar para os outros e para o mundo com um olhar mais sensível, mais aberto, um olhar que possa ver a beleza e a riqueza no simples viver e conviver.
Texto escrito em abril de 2007.
P.S: Hoje, 04/02/22, relendo este texto, escrito
há 15 anos, e tendo mudado consideravelmente minha vida na direção em que
eu almejava anos atrás, percebo que a mudança se constrói com o tempo e a persistência
de cada passo que damos ao longo da jornada. Mais que tudo, quero
reafirmar que “sempre é possível mudar”.
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