Dia desses fui convidada, ou melhor, me convidei para um café da manhã com três monges budistas na casa de uma amiga que está seguindo o caminho de Buda.
Os monges são da tradição Theravada e vieram de Minas Gerais até Caxias do Sul/RS, onde resido, para daqui iniciar uma longa jornada, caminhando e parando para meditar nas florestas, como o Buda fez há dois mil e quinhentos anos atrás. Eles não carregavam quase nada, a não ser uma sacola com alguns pertences e uma tigela de mendicante. Na sua tradição, eles comem apenas aquilo que lhes é oferecido, no período da manhã. Após ao meio-dia não comem mais.
Eles vestiam roupas como as que Buda vestia, uma túnica e um manto, e calçavam chinelos de dedo. Nada mais.
Estar com esses praticantes por um breve período de tempo e contemplá-los chegando na casa, deixando suas coisas no chão, fazendo suas preces e tomando seu café da manhã sem falar foi o suficiente para me trazer muita inspiração.
Na minha vida, tenho aspirado por viver uma vida simples, com cada vez menos pertences, menos coisas, menos complexidade.
Iniciei minha trajetória profissional como professora do Ensino Fundamental, mas logo depois passei em um concurso para a carreira de professor universitário. Com o passar dos anos, fui percebendo que a docência universitária demandava tempo e esforço que não me permitiam muito mais do que trabalhar. Eu ansiava por tempo, por tempo livre e por diminuir a complexidade da minha mente e da minha vida.
Depois de quase 20 anos no ensino universitário, consegui deixar, me desapegar do mesmo. Abandonei a carreira pública federal, com dedicação exclusiva e, depois, um emprego numa universidade comunitária para trabalhar no ensino fundamental. Passei em um concurso para a rede municipal de ensino de Caxias do Sul e até hoje exerço a função de professora dos anos iniciais. O trabalho mudou consideravelmente e o tempo livre aumentou.
Nesses anos todos, venho tentando liberar espaço na minha casa, me desapegando de livros, roupas, objetos e muitos outros pertences. Também venho diminuindo as atividades externas, como cursos, atividades sociais, etc. para equilibrar minha vida e ter tempo para aquilo que é essencial.
Neste ano de 2022, estou prestes a fazer uma nova mudança e a dar um novo passo em busca da simplicidade. Vou mudar para o interior, um distrito de Caxias, que tem apenas três ruas. Estou no processo de olhar para tudo o que tenho e ter que decidir o que vou levar e o que vou deixar para trás.
Este processo não envolve apenas selecionar objetos, mas selecionar valores, selecionar o que verdadeiramente importa na minha vida. Estou deixando roupas requintadas, vestidos, sapatos e algumas poucas joias que não tem mais a ver comigo. Estou deixando obras de arte, quadros pintados à óleo pela minha mãe e outro que trouxe do Nepal, que são lindos, que embelezaram durante muito tempo a minha casa, mas que agora pesam demais na minha bagagem. Estou deixando livros preciosos, que já foram muito importantes pra mim, mas que preciso guardá-los não mais na estante, apenas na minha mente, porque já os contemplei o suficiente.
Como os monges que conheci em um dia de passagem, eu quero caminhar na vida com apenas aquilo que posso carregar. Sei que ainda tenho muito a me desapegar, mas sei também que já deixei toneladas para trás.
Hoje, na caminhada diária que venho fazendo como prática de contemplação e meditação, descobri que a beleza e a riqueza da vida estão presentes a cada passo. Tendo passado em frente ao edifício de uma amiga, resolvi apertar o interfone e apenas dar um alô e desejar um bom dia. Para minha surpresa, fui convidada para um café, que não havia tomado ainda. Fiquei emocionada com a sintonia entre nós, porque naquele momento ela também estava pensando em mim.
Depois de ficarmos mais de uma hora conversando sobre nossas vidas e sobre o rumo que queremos dar a elas, ao voltar para casa me deparei com um saquinho pendurado na lixeira amarela, de lixo seletivo, perto do meu prédio. Fiquei curiosa e, ao olhar, constatei que eram biscoitos, embalados como oferenda para quem tivesse passando, com fome.
Na hora, o que veio à mente, foi a passagem da Bíblia que li num livro recentemente e que deixo como reflexão, para mim mesma e para os leitores:
«Ninguém pode servir a dois senhores; pois ou há de aborrecer a um e amar ao outro, ou há de unir-se a um e desprezar ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos da vossa vida pelo que haveis de comer ou beber, nem do vosso corpo pelo que haveis de vestir; não é a vida mais que o alimento, e o corpo mais que o vestido? Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros, e vosso Pai celestial as alimenta; não valeis vós muito mais do que elas? Qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um cúbito à sua estatura? Por que andais ansiosos pelo que haveis de vestir? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam, contudo vos digo que nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. Se Deus, pois, assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Assim não andeis ansiosos, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir? (Pois os gentios é que procuram todas estas coisas); porque vosso Pai celestial sabe que precisais de todas elas. Mas buscai primeiramente o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.» (Mateus 6:24-33)
Obrigada Carliza, fluido testemunho de um caminhar suave, maravilha de prosa.
ResponderExcluirAmiga, bom te ler...
ResponderExcluirDesapegar é um desafio e tanto.
Por vezes, achamos que tal desafio tefere-se apenas aos livros, â casa, e as posições sociais e de trabalho. Mas há momentos que precisamos também e sobretudo desapegar das nossas certezas. Alegria, saúde e ousadia nessa nova fase de vida.