segunda-feira, 2 de junho de 2025

É PERMITIDO ENVELHECER


Hoje é o primeiro dia da licença de três meses que antecede a minha aposentadoria. É muito bom poder realizar a minha rotina antiga - meditar, fazer ioga - e incorporar novos hábitos como escrever (algo que sempre gostei, mas tinha deixado pra trás), sem pensar que tenho horário pra sair de casa e ir trabalhar. Começo a relaxar com essa ideia, sem fazer disso um bicho de sete cabeças. 


Os anos que antecederam esse momento foram de muita tensão e ambiguidade. Ao mesmo tempo que ansiava por me aposentar, temia ficar sem atividade, ficar sem “objetivos”, não ser mais “produtiva”. Talvez, o que mais temia, era envelhecer. 


Junto com a aposentadoria, vem, inevitavelmente, o envelhecimento e o pavor de envelhecer, de ser excluída, de não pertencer mais à parcela produtiva da população. Envelhecer no Brasil e em muitos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento significa ser relegado a um estado de menos valia, receber salários menores ou ficar sem eles, adoecer e não ter a assistência devida e se sentir abandonado, muitas vezes. 


Entrar nessa sala de embarque do envelhecimento, como diz Ana Claudia Arantes, é se dar conta de que não há mais volta. Antes, na juventude, como diz ela, problemas comuns eram considerados naturais e passageiros, mas agora são atribuídos à idade. Quando nos damos conta disso, estamos ingressando na velhice.


Eu demorei para reconhecer que estava entrando nessa fase e quando tentava falar sobre isso com alguém, ouvia algo do tipo: “Não, tu és muito jovem, cheia de energia, com muita coisa pra viver.” Nossa sociedade insiste em mascarar os sinais do envelhecimento ou negar sua presença. 

 

Neste último ano assisti a muitos vídeos sobre saúde, longevidade e envelhecimento saudável. Acho muito válida essa tentativa de oferecer informações para as pessoas poderem viver mais, mudando seus hábitos de vida, que incluem alimentação, exercícios, ter novos aprendizados, meditação, reposição hormonal (para as mulheres) e continuar tendo uma vida ativa. Mas esse discurso, muitas vezes, traz consigo uma ilusão de que podemos continuar vivendo como antes. E penso que não é assim. As mudanças do envelhecimento são drásticas e bem reais. 


Ana Claudia Quintana Arantes, no livro “Para vida toda valer a pena” mostra que todos teremos que ser cuidados ao final de nossas vidas, alguns antes, outros mais tarde, e precisamos nos preparar para isso. Como vamos viver essa fase depende das escolhas que fazemos agora.  


Viver pensando que vamos chegar aos 80, 90 ou 100 levantando pesos como mostra o médico Uronal Zancan, defensor da “revolução da nova longevidade” não é uma boa forma de se preparar, penso eu. As "novas" medicinas, incluindo a integrativa, têm reforçado essa ideia de uma vida sem perdas. Consultei-me com um médico da medicina integrativa que me disse que se eu fizesse todos os procedimentos que ele me indicava, eu poderia me sentir com 35 anos. E eu pensei, mas não falei: “Mas eu não quero ter 35 anos; só quero poder me sentir menos cansada, mais disposta, sem tantas dores.” 


Para mim, o que esses slogans e ideias estão dizendo é que é proibido envelhecer. Inclusive a palavra velho não pode ser pronunciada, pois é uma ofensa. 


Ontem, para minha alegria, participei de uma conversa com um casal - Fabiana Tomé e Matheus Marcon - sobre sua estadia na Índia durante 70 dias. Eles foram para fazer a formação de yoga e ficaram num Ashram durante 30 dias, praticando uma rotina de completa transformação do corpo e mente. De todas as coisas lindas que eles nos contaram, o que ficou pra mim foi algo que eu já sabia, mas tinha esquecido, sobre as quatro fases da vida, segundo o Hinduísmo. 


A primeira fase compreende o período do nascimento até os 25 anos, que é a fase de aprendizagem. A segunda é a fase de constituir uma família e de se tornar ativo na sociedade. A terceira fase, dos 50 aos 70, é a fase do “eremita”, ou seja, é o “caminho da floresta”, que se caracteriza pelo afastamento da sociedade e o foco no serviço comunitário, na conexão espiritual e na meditação. Esse estágio se trata da preparação para o fim da vida e da renúncia aos bens materiais. É também o estágio de aprofundamento da conexão espiritual. A última etapa ocorre quando a pessoa se aproxima do final da vida e se prepara para a transcendência completa e a liberação dos ciclos de renascimento.  


Relembrei esse ensinamento que já tinha ouvido há anos atrás e que tinha feito muito sentido pra mim com um norte de vida. Neste momento, tão confusa e inquieta sobre o que vou fazer na minha aposentadoria, como será minha velhice, isso chegou com um alento, como um sinal de que o desejo que tenho de parar e de ficar mais reclusa não é sinal de depressão ou de estar desistindo de viver, mas o desejo vital de me conectar com aquilo que é essencial a minha vida, a espiritualidade.  


Sinto, dentro de mim, que preciso parar, aquietar minha mente, não ser tão ativa externamente. E isso vai contra a maioria das ideias que ouço e leio sobre envelhecimento, saúde e longevidade. 


Tenho direito a envelhecer bem e isso quer dizer “parar”, em primeiro lugar. Parar de correr, parar de buscar estar ativa, parar de querer interagir com tantas pessoas, parar de buscar nas coisas externas a minha felicidade. 


O envelhecimento é um processo natural da vida que nos prepara para a morte; que vai nos mostrando, pouco a pouco, que estamos deixando esse mundo. E isso é muito difícil pra sociedade moderna aceitar. É difícil falar sobre isso; isso não vende, não atrai, não dá IBOPE, enfim, é proibido. 


É possível envelhecer com serenidade e paz quando silenciamos todas essas vozes externas e nos conectamos com a nossa natureza pura, que está sempre presente. Ela é a mãe que pode nos acolher, é a casa para onde todos ansiamos voltar e, ao final, é a fonte de nossa felicidade plena. 


Sou grata por fazer parte de uma tradição espiritual, o Budismo e conhecer um pouquinho de outras tradições, como o yoga e o Hinduísmo, que mostram uma outra perspectiva. Pensar na impermanência e na morte, para essas tradições, têm o poder de transformar a mente e de nos fazer encontrar o verdadeiro propósito da nossa existência. 


Aspiro conseguir atravessar esse novo estágio de vida e me preparar para o dia em que terei que deixar tudo. Preparar-me para esse momento é o que há de mais precioso a fazer agora. 


É permitido, sim, envelhecer!


É PERMITIDO ENVELHECER

Hoje é o primeiro dia da licença de três meses que antecede a minha aposentadoria. É muito bom poder realizar a minha rotina antiga - medita...